Revista Inovação FAPEMA

Pesquisadores aliam conhecimento científico e saberes tradicionais para geração de bioprodutos

Integrantes do Núcleo de Estudos em Agroecologia do IFMA realizam pesquisas há uma década na região do Munim, passagem obrigatória para acesso ao Parque Nacional dos Lençois Maranhenses

Trinta e dois pesquisadores, dentre professores e estudantes das áreas da Química, Biologia, Agronomia e de Segurança do Trabalho, integram o Núcleo de Estudos em Agroecologia do IFMA Campus Monte Castelo, que realiza pesquisas com plantas reconhecidas, pelo saber popular, por suas propriedades terapêuticas

Pesquisadores do Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA) do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) – Campus São Luís Monte Castelo – vem estudando, há 10 anos, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento  Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), plantas nativas de comunidades tradicionais localizadas na região do Baixo Munim, no litoral norte do estado – passagem para o Parque Nacional dos Lençois Maranhenses.

Essas plantas são muito utilizadas para fins medicinais e alimentares, mas as comunidades possuem uma preocupação na conservação dessas espécies e pouco conhecimento científico sobre elas. Desde então, os pesquisadores do IFMA vêm analisando essas plantas para prospectar bioprodutos, nos municípios de Cachoeira Grande, Presidente Juscelino, Morros e Rosário. “Queremos que sejam valorizados os saberes tradicionais de seu uso, a conservação de seus habitats e avaliar a possibilidade de obtenção novos produtos naturais à base dessas plantas”, sinaliza Georgiana Marques.

Georgiana Marques, fundadora do Núcleo de Pesquisa

Doutora em Biodiversidade e Biotecnologia, pela Universidade Federal do Amazonas, com mestrado em Agroecologia e graduação em Agronomia, pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Georgina Marques é responsável pela organização, em 2013, do Núcleo de Estudos em Agroecologia do campus. Hoje, ele conta com 21 mulheres pesquisadoras (12 estudantes e 9 professoras) e 11 homens (9 estudantes e 2 professores).  O Núcleo é formado por professores, com linhas de pesquisa diferentes, das áreas da Química, Biologia, Agronomia e de Segurança do Trabalho e conta com a parceria de professores da UEMA e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

 

 

Conhecimentos tradicionais e análises físico-químicas

Pesquisadores realizam coleta de janaúba

Entre 2020 e 2022, o Núcleo vem desenvolvendo, com apoio da FAPEMA, o projeto “Plantas nativas da área de transição Cerrado-Amazônia maranhense: características físico-químicas, compostos bioativos e ação biológica”.  Foram pesquisadas a mangaba (Hancornia speciosa Gomes), o mirim (Humiria balsamifera [Aubl]), o araticum do Mato (Duguetia furfuracea (A.St.-Hil.) Saff., o guajiru (Chrysobalanus icaco L.), o anajá (Attalea maripa (Aubl) Mart), a melosa (Dizygostemon sp.), o murici (Byrsonima verbascifolia Rich ex. A. Juss) e a janaúba (Himatanthus drasticus Mart. Plume).

As coletas das plantas foram realizadas em Morros, Cachoeira Grande, Rosário e São Luís, com análises realizadas no IFMA Campus Monte Castelo e na UFMA. O processo seguiu as normas da Associação Oficial de Análises Químicas, para a determinação de compostos bioativos e bioatividade. Foram quantificados os compostos fenólicos, antocianinas, flavonóides e atividade antioxidante com a utilização de diversas técnicas citadas na literatura mundial. Para produção de sabonetes e hidratantes foram seguidas as recomendações da Associação Brasileira de Industria de Higiene. ”Algumas análises também foram realizadas em parceria com UEMA, com a Universidade Estadual da Bahia e com a Universidade de São Paulo”, complementa a pesquisadora.

Suzana dos Anjos da Paz e Micaele Gama realizam a coleta das folhas do do guajiru para estudos dos parâmetros físico-químicos

De acordo com Georgiana Marques, essas pesquisas necessitam de um tempo razoável para a sua concretização, pois desenvolvem desde o estudo fisio-quimico, bioativos até o desenvolvimento dos bioprodutos. “Vínhamos pesquisando, desde 2015, a Humiria balsamífera, conhecida popularmente como Mirim e, agora, com auxílio desse projeto, conseguimos o depósito da patente de sabonete líquido e hidratante”, celebra.

Também foram realizadas visitas técnicas nas comunidades tradicionais e vivências em campo para observação e coleta de informações, por meio da oralidade sobre as espécies. De acordo com Georgiana, diante das ações gradativas de desmatamento e expansão da agricultura, houve grande perda de espécies nativas maranhenses. “Com isso, há, também, a perda de conhecimentos tradicionais interligados e de uso sustentável das plantas que eram transferidos entre gerações, mas que foram substituídos e esquecidos com a modernização”, afirma.

Bioprodutos e patentes

Micaele Gama foi bolsista entre 2019 e 2020 no núcleo e pesquisou sobre o guajiru, a mangaba, o anajá e o mirim

“Com poucos estudos na literatura mundial sobre essas espécies, com a pesquisa foi possível gerar e transferir muitos conhecimentos que podem subsidiar novos trabalhos e melhorar o uso dessas plantas para fins farmacológicos, na produção de cosméticos e para alimentos funcionais”, destaca.

Segundo a pesquisadora, outro ponto relevante do trabalho é a existência de uma aliança com as comunidades para transferência da tecnologia, por meio do qual as próprias comunidades, futuramente, serão produtoras desses bioprodutos prospectados.

“O nosso trabalho valoriza os recursos naturais na linha de cosméticos, fármacos e como alimento, tendo em vista a nossa preocupação com uso de medicamentos, principalmente antibióticos para controle de doenças humanas, que acabam contaminando as águas”, afirma Georgiana. “As plantas medicinais podem agir no controle e prevenção de doenças e viabilizar alimentos funcionais”, destaca.

Para cada uma das espécies estudadas foram identificadas suas propriedades químicas, físicas, compostos bioativos, além de ter sido iniciada a prospecção de bioprodutos à base dessas plantas. Como resultado, já foram depositadas patentes de produtos prospectados a partir das espécies Mirim e Araticum do Mato.

O trabalho foi premiado Universo IFMA, evento de difusão cientifica, no âmbito do Programa de Iniciação Científica, na área de Ciências Exatas

Diversos artigos, resumo para congressos, apresentações em eventos científicos e cartilhas foram publicados. A produção científica registra 01 de tese de doutorado, 02 patentes depositadas, 17 projetos de iniciação científica e tecnológica desenvolvidos no período do proejto, 19 artigos científicos publicados, 02 e-books, 04 capítulos de livros e 06 resumos apresentados em congressos nacionais e internacionais. “A divulgação dos resultados da pesquisa promove a transferência dos conhecimentos gerados para a sociedade”, destaca a pesquisadora. “A pesquisa também gerou tecnologias que contribuem para a geração de renda e para a conservação da floresta com respeito à biodiversidade e aos princípios da bioeconomia”, ressalta.

De acordo com Georgiana, o estudo demonstrou a potencialidade das espécies como fitoterápicos naturais. “Podemos incentivar o uso na medicina popular e buscar a implementação de políticas públicas”, enfatiza. Algumas espécies como o jatobá geraram biscoitos que podem ser utilizados como alimento funcional devido seu teor proteico e de fibras. “Também desenvolvemos formulações de cosméticos naturais à base dessas plantas que podem ser inseridos na indústria para geração de renda e valorização das espécies, podendo ser incentivado o cultivo de forma doméstica e em suas áreas de ocorrência naturais”, afirma.

“Conseguimos destacar a valorização dos saberes das comunidades tradicionais, com explicações científicas para a sua manutenção, bem como dos ambientes naturais”, pontua. “Os estudos das espécies irão prosseguir com fomento do próprio IFMA”, assinala. “Diante do potencial antioxidante e de atividade biológica para algumas espécies ainda serão desenvolvidos bioprodutos como cosméticos e alimentos funcionais”, destaca. “Também já há uma segunda etapa do projeto com fomento da FAPEMA, por meio do Edital Universal de 2022”, conclui.

Atividade do Núcleo na comunidade tradicional de São João do Rosário, no município de Rosário

Todo trabalho desenvolvido se transforma em artigo científico, para o pesquisador, e em cartilha na linguagem adequada à compreensão do agricultor.  “Em 2019 nós entregamos a cartilha sobre as boas práticas do jatobá”, informou Georgiana.

“Temos cartilha de mirim, sobre uso de plantas não convencionais, como joão gomes, vinagreira, jurubeba, araruta e outras que não muito comuns para a alimentação, mas que para os agricultores faz parte de sua alimentação”, assinalou.

Palestras e capacitações também são realizadas. “Também já foram realizadas oficinas de sabão ecológico, alimentação saudável e  compostagem”, concluiu Georgiana.

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