Revista Inovação FAPEMA

Manoel da Conceição e Agostinho Neto: trajetórias de resistência

Pesquisa compara as biografias do camponês maranhense e do líder angolano contra a ditadura

O estudo compara as trajetórias do líder camponês maranhense, Manoel da Conceição, e o líder do Movimento Popular de Libertação de Angola, Agostinho Neto

Leonardo Leal Chaves

Doutorando pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS 20) da Universidade de Coimbra. Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Graduado em História pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Atua em pesquisas na área de Brasil Republicano, mais especificamente, a Ditadura Civil-militar brasileira, sua polícia política e repressão, bem como o processo de transição política em uma perspectiva comparada com a História portuguesa no que se refere aos aparelhos de repressão

É fundamental estudar as ditaduras do passado, em especial os governos fascistas do século XX, para aprender com os erros e garantir que a história não se repita. No Brasil, a ditadura civil-militar que durou de 1964 a 1985 deixou cicatrizes profundas na sociedade e na democracia brasileira. Através do estudo desse período, é possível entender como a repressão e a censura foram utilizadas para controlar a população e como os direitos humanos foram violados. De forma similar, a ditadura salazarista em Portugal, que durou de 1926 a 1974, foi um período de opressão e censura, no qual o regime de António de Oliveira Salazar controlava todos os aspectos da vida política e social.

 

Entender a história de ditaduras e regimes opressivos não deve ser apenas sobre as atrocidades cometidas pelos governos, mas também sobre a coragem e resiliência daqueles que se opuseram a eles. Conhecer a história dos movimentos de resistência e suas lideranças é fundamental para entender as lutas que moldaram o mundo em que vivemos hoje e inspirar novas lutas por justiça e liberdade. E foi com esse intuito que Leonardo Leal Chaves realizou a sua pesquisa de doutorado pela Universidade de Coimbra, apoiado pelo edital FAPEMA de Bolsas de Doutorado no Exterior

 

Leonardo se formou no Mestrado em História pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde participou do Núcleo de Pesquisa em história contemporânea, compondo a equipe do projeto “O colapso da ditadura através da imprensa: uma análise comparativa entre os casos de Portugal e Brasil”. Como membro da equipe, o pesquisador foi contemplado com um estágio Internacional na Universidade de Coimbra (Portugal), o que lhe deu a oportunidade de conhecer a historiografia portuguesa e permitiu o seu acesso aos arquivos da Torre do Tombo, que possuem importantes documentos acerca da Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), principal aparelho repressor da ditadura Salazarista.

 

A pesquisa de mestrado de Leonardo abordou os embates pela anistia no Maranhão em 1979, além de construir um acervo digital com arquivos do SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão de espionagem da ditadura brasileira. Assim, com as suas experiências em Portugal, ele concebeu a ideia de realizar um estudo mais abrangente, comparando a ditadura civil-militar brasileira e a ditadura salazarista de Portugal, com ênfase na montagem e atuação dos seus aparelhos repressores.

Nove meses após a deposição de Salazar, com a revolução dos cravos em Portugal, Angola conquista sua autonomia

Já no primeiro ano de doutoramento, as pesquisas levaram o historiador até um novo caminho. Ao estudar a atuação da PIDE nas guerras coloniais [conflitos armados que aconteceram entre 1961 e 1974 nas colônias de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau] que viria a acentuar a crise que levou ao fim da ditadura de Salazar e os aparelhos repressores brasileiros, duas figuras ganharam cada vez mais destaque. Um deles é o líder do Movimento Popular de Libertação de Angola e primeiro presidente do País, Agostinho Neto (1922-1979). O outro é o líder camponês Manoel da Conceição (1935-2021), fundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais no vale do Pindaré-Mirim e elemento central na mobilização camponesa no Maranhão.

Manoel foi preso e torturado diversas vezes durante a ditadura. Em 1968, teve a perna direita amputada depois de ser baleado pela polícia. Em 1972, no Rio de Janeiro, os torturadores pregaram seu pênis e testículos a uma mesa.

O líder camponês Manoel da Conceição lutou pelo direito à terra e contra a ditatura

A motivação de Leal Chaves em examinar essas duas figuras decorre da falta de estudos aprofundados sobre suas resistências aos regimes ditatoriais e a forma como os aparatos de repressão do Estado os perseguiram e criminalizaram. Em sua abordagem, Chaves incorporou a perspectiva teórica de um Estado de Exceção permanente, proposta pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, para ilustrar a tentativa de criminalizar ambos, mesmo em um contexto democrático. “Estudar a cultura política e os processos de transição em cada país nos ajuda a mapear a construção, cada um à sua maneira, de seu legado político e sua recepção pela sociedade”, frisou o pesquisador.

Analisando dois homens com uma trajetória tão similar de combate a regimes autoritários, uma constatação fica muito evidente. Enquanto Agostinho Neto é reverenciado pela população de Angola, com o dia do seu nascimento sendo feriado e dia do herói nacional, a trajetória de Manoel da Conceição foi criminalizada. Ele foi considerado terrorista e apenas recentemente conquistou o direito à indenização diante dos danos permanentes deixados por sua luta contra o regime.

Para o pesquisador, a diferença no tratamento decorre da forma como cada país lidou com o processo de transição da ditadura para democracia. Enquanto Angola foi libertada mediante revolução, o Brasil voltou a ser democrático mediante o pacto firmado através de um aparato legal. “A lei de anistia brasileira de 1979, que perdoou os crimes políticos ocorridos nesse período, tentou silenciar e imputar uma espécie de esquecimento coletivo”, afirmou Leonardo.

“A questão é que essa mesma lei anistia, perdoa, torna inexistente a natureza criminosa dos atos cometidos pelos agentes estatais perpetradores de graves violações de direitos humanos contra os opositores da ditadura”, explicou. “Isso torna uma questão mal resolvida e que perpetua a ideia de criminalização dessas lideranças e a não compreensão de suas motivações de luta”, complementou. “Algumas vezes, os homenageados acabaram sendo os próprios torturadores”, prosseguiu o pesquisador.

O pesquisador também ressalta a importância da Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão em contribuir para a concretização do seu trabalho. “Foi de suma importância uma vez que me possibilitou a visita ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo e ao Arquivo Nacional. Essa imersão na documentação foi fundamental para a construção de uma análise mais aprofundada sobre ambos”, concluiu Leonardo.

Saiba mais sobre a história de Manoel da Conceição assistindo ao documentário “Minha perna, minha classe”, de Arturo Saboia.

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