Pequenos produtores e beneficiam com a agregação de valor

Ana Lúcia Fernandes Pereira
Doutorado e mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde se graduou em Engenharia de Alimentos.
Professora do Curso de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e membro permanente do Programa de Pós-graduação em Saúde e Tecnologia (UFMA). Também é vice-coordenadora da Especialização em Gestão da Qualidade e Segurança de Alimentos.
Alimentos e bebidas à base de plantas (plant-based) representam um importante mercado em expansão, tendo em vista ao aumento de demanda por alimentos que promovam a melhoria na qualidade de vida e por produtos sustentáveis, de menor impacto ambiental. Eles contam, hoje, com um público bastante variado, desde veganos e vegetarianos até pessoas com restrição alimentar ou em busca de um estilo de vida mais saudável.
Dentre os produtos plant-based, o kombucha vem se popularizado nos últimos anos: é uma bebida produzida tradicionalmente a partir de chá verde ou preto em associação com uma cultura simbiótica de bactérias acéticas, láticas e de levedura, com a adição de sacarose. O resultado é uma bebida doce, levemente ácida e refrescante, com propriedades anti-inflamatórias, antidiabéticas, desintoxicantes e antioxidantes.
Nesse contexto, a pesquisadora Ana Lúcia Fernandes Pereira, doutora em Ciência e Tecnologia em Alimentos pela Universidade Federal do Ceará (UFC), desenvolveu o projeto de inovação tecnológica que foi premiado na última edição do Prêmio Fapema. O objetivo é produzir uma versão dessa bebida com a utilização de folhas e caules de vinagreira ou joão gomes.
A vinagreira é uma hortaliça muito presente na região Norte e Nordeste do Brasil. O cálice é a parte mais valiosa da planta, servindo para a produção de infusões e geleias, enquanto as folhas e caules possuem um menor aproveitamento, sendo as folhas utilizadas na culinária típica do estado. “Ambas as partes têm quantidades significativas de ferro, cálcio, fósforo, potássio, ácido cítrico e compostos bioativos. Adicionalmente, a vinagreira é conhecida por tratar doenças como a hipertensão e reduzir os níveis do colesterol LDL,” explica a pesquisadora. O João Gomes, por outro lado, possui uma conhecida propriedade medicinal, sendo utilizado no tratamento de doenças do rim, leishmaniose e diabetes.

A inovação de Ana Lúcia, ao reaproveitar partes das plantas que são usualmente descartadas para a produção de novos alimentos, está em consonância com os objetivos da agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). A meta 12.3 da agenda é reduzir pela metade o desperdício de alimentos, nos níveis de varejo e consumo, além de reduzir as perdas de alimento ao longo das cadeias de produção.
Além dos benefícios para a saúde e para o planeta, o kombucha desenvolvido pela pesquisadora também tem um grande potencial como instrumento de transformação social. “É relevante reforçar que a vinagreira e o joão-gomes são plantas cultivadas pelos pequenos produtores locais do Maranhão por meio de cooperativas, destacando, portanto, o impacto social e econômico que esses novos produtos têm na população”, avalia a pesquisadora. A agregação de valor a essas matérias-primas tende a fomentar esse mercado, auxiliando aos pequenos produtores e trazendo a população local para o centro de investimentos e crescimento financeiros,” prossegue.
Produção e resultados
A produção do kombucha envolveu 3 etapas. Foi realizada a primeira fermentação e análise da condição de crescimento dos microrganismos presentes na cultura simbiótica. Após isso, o crescimento desses microrganismos foi observado e avaliado durante 10 dias de fermentação. Por fim, foi realizada a saborização das bebidas com suco integral de uva e uma segunda fermentação.
Para a pesquisadora, o resultado obtido foi muito positivo e demonstra o potencial das plantas alimentícias não convencionais na elaboração de novos alimentos. “As farinhas das folhas e dos caules de vinagreira e joão-gomes se mostraram excelentes substratos para a produção de bebidas tipo kombucha. Nos estudos foram observados que as concentrações de sacarose e o tempo de fermentação foram menores que os da kombucha tradicional, podendo reduzir custos com matéria-prima e tempo de produção. As etapas de fermentação e saborização da kombucha proporcionaram aumento no conteúdo de compostos fenólicos e flavonoides e da atividade antioxidante, evidenciando uma maior funcionalidade e saudabilidade dessas bebidas”, ressalta.
Reconhecimento
Premiada na categoria Inovação Tecnológica do Prêmio FAPEMA 2022, Ana Lúcia conta que o reconhecimento representado pela honraria é um importante incentivo para seguir com o seu trabalho. “Desde a idealização do projeto, nós sempre pensamos em desenvolver tecnologias que pudessem promover o envolvimento da sociedade local, bem como o desenvolvimento de produtos a partir de matérias-primas da região. Essa pesquisa tinha, portanto, essas duas prioridades na ciência e conseguir trabalhar com esse cenário já é uma grande satisfação. Com o reconhecimento da pesquisa por meio da FAPEMA, nós confirmamos que estamos no caminho certo,” finaliza.