O romance de Rosseau "Júlia ou A nova Heloísa", de 1761, foi a base para o estudo
Francyhélia Benedita Mendes Sousa
Mestra em Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Estudante do curso de Especialização em Cidadania, Inclusão e Diversidade (UFMA) Campus São Bernardo.
Licenciada em Filosofia (UFMA).
Interesse em Antropologia Filosófica, Filosofia Política, Estudos sobre Gênero, Filosofia Feminista, Feminismo Negro e Estudos Decoloniais. Professora de Filosofia do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IEMA) em Viana.
A figura feminina foi silenciada, usurpada e violada na sociedade e literatura francesas do século XVIII, período da pré-Revolução, trazendo consequencias negativas, que se perpetuaram. É o que conclui o trabalho ‘Filosofia, gênero e literatura no século XVIII: a figura feminina apresentada por Jean-Jacques Rousseau no romance filosófico Júlia ou A nova Heloísa’, da pesquisadora mestra em Cultura e Sociedade, Francyhélia Benedita Mendes Sousa. A pesquisa, orientada pela doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), Zilmara de Jesus Viana de Carvalho, faz uma reflexão do papel feminino e restrições impostas neste século, que acabaram por determinar um comportamento social excludente, neste e nos períodos posteriores.
A relação interdisciplinar entre filosofia, gênero e literatura, no século XVIII, foi avaliada a partir da figura feminina apresentada pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau, no romance ‘Júlia ou A nova Heloísa’, de 1761. Foi possível perceber a determinação moral e política na qual a figura feminina foi inserida, não apenas nas obras, mas também na sociedade burguesa setecentista, observa a pesquisadora. A história das mulheres na filosofia é marcada por inúmeros desequilíbrios, dos quais o mais evidente é a longa ausência neste cenário, situação que tende a esconder outras problemáticas como as usurpações, mas apontam para pequenos avanços na educação feminina, pontua Francyhélia Sousa.
“Nesse sentido, ficou evidente que os três séculos da primeira modernidade, em especial no século 18, os mecanismos de controle social tornam-se mais severos – através das formas educativas, da gestão das almas e dos corpos – deixando o indivíduo em um sistema de vigilância cada vez mais compacto. Essa nova forma de civilidade, constituída na modernidade, apesar de abordada de maneira geral, impôs ao sexo feminino restrições e limites muito mais severos do que aos homens”, avalia a pesquisadora.
A problemática causada neste cenário, segunda pontua Francyhélia Sousa, foi o confinamento das mulheres à vida privada. “A civilidade e sociabilidade imposta às mulheres, sob o pretexto de uma moral feminina, deu origem a uma nova forma de ser mulher, em uma sociedade cortesã que estava muito mais preocupada com hábitos voltados à representação do vestir, do comer, do falar e agir, do que com o verdadeiro desenvolvimento das faculdades humanas”, observa.
Em termos de contribuições para as Ciências Humanas, Sociais e o campo das Letras, a pesquisadora avalia que o estudo traz à reflexão a necessidade de deslocar o lugar a partir do qual estes paradigmas foram pensados. Discursos que constituíram um ideal de humanidade e de feminilidade, que, na avaliação da pesquisadora, invisibilizaram e deixaram as mulheres à margem da história. Ela ressalta que estes conceitos universais podem ser perigosos, por suscitarem interpretações generalizadas que ignoram as particularidades de grupos sociais, de povos e raças, entre outros, dificultando o enfrentamento de problemas reais, vividos por essas coletividades ou indivíduos.
“É certo que Rousseau e seus contemporâneos demarcaram algumas dessas fronteiras, a fim de especular sobre sociabilidades, direitos e igualdades. Paradigmas e opressões, que, de fato, não foram originados no período, mas, foram solidificados pelas penas de inúmeros pensadores das filosofias. É um exercício fundamental e urgente de que esse histórico seja mudado. Compreendemos que não há evolução social, assim como não existe uma natureza humana universal e predeterminada. A razão da inexistência desta, impede a ocorrência daquela. Entendemos que a existência se apresenta na natureza e na cultura a partir de múltiplas manifestações. Nesses termos, natureza humana, gênero e sexo, configuram-se como construções normativas de cunho histórico-cultural e político-ideológico”, sentencia.
A pesquisa foi realizada no período de dois anos, sendo tema a dissertação de mestrado, e teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). Com o trabalho, foi ganhadora do Prêmio FAPEMA 2022-Cientistas do Território Maranhense, na categoria Dissertação de Mestrado – Ciências Humanas e Sociais. Esta é a primeira pesquisa acadêmica maranhenses sobre a temática de gênero, a partir da filosofia de Rousseau.
“Foi muito significativo e importante para mim este apoio. Tenho planos futuros de fazer o doutorado em Filosofia, e, sem dúvidas, pretendo dar continuidade neste tema. Entendo que é uma temática que precisa ser explorada nas várias áreas do conhecimento, pois, temos muito o que aprender e discutir sobre essas questões nas sociedades do terceiro milênio”, conclui.