Revista Inovação FAPEMA

VIOLÊNCIA NA GRAVIDEZ E MARCAS NA SEXUALIDADE

Ausência de diálogo e pressão social sobre o papel da mulher na relação conjugal contribuem para o cenário

A pesquisa reforça a importância de integrar os debates sobre violência e sexualidade na assistência materna

Liendne Abreu

Mestrado em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Especialização em Enfermagem em Ginecologia e Obstetrícia pela Faculdade Santa Terezinha (CEST), em Auditoria, Planejamento e Gestão em Saúde (Laboro) e Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher (Hospital Universitário/HUUFMA). Graduação em Enfermagem (CEST). Enfermeira Assistencial da UTI do Hospital Dr. Adelson de Sousa Lopes – Hospital Geral da Vila Luizão, em São Luís (MA).

A gravidez é um período em que se espera maior proteção e cuidados voltados à mãe e ao bebê. No entanto, estudos mostram que esse também pode ser um momento de vulnerabilidade, especialmente para mulheres que enfrentam violência por parceiro íntimo. Nesse contexto, pesquisa realizada com mulheres em pré-natal, na capital maranhense analisou os impactos dessa violência na sexualidade feminina após o parto, trazendo à tona um tema pouco explorado, mas de grande relevância para a saúde pública.

As consequências da violência conjugal durante a gestação vão além das agressões físicas e psicológicas, podendo afetar a saúde sexual da mulher no puerpério. “Observamos que muitas mulheres retomam a vida sexual sem desejo, apenas para atender às expectativas do parceiro, o que pode gerar impactos negativos na sua saúde mental e bem-estar”, explica a pesquisadora Liendne Abreu, autora do estudo. A falta de diálogo sobre sexualidade no pré-natal e a pressão social sobre o papel da mulher na relação conjugal contribuem para essa realidade.

Além disso, a pesquisa revela que a violência durante a gravidez pode dificultar as negociações sobre o retorno das atividades sexuais após o parto. Muitas mulheres, submetidas ao controle e à opressão do parceiro, têm pouca autonomia para decidir sobre o próprio corpo. “O estudo evidencia uma lacuna nos serviços de saúde, que precisam incorporar o tema da violência conjugal e da sexualidade na assistência materna”, ressalta Liendne Abreu.

Embora a relação entre violência e sexualidade no pós-parto ainda seja pouco investigada, os resultados apontam para a necessidade de políticas públicas voltadas ao acolhimento dessas mulheres. O estudo reforça a urgência de ações que integrem assistência psicológica, apoio social e uma abordagem mais ampla da saúde sexual no período gravídico-puerperal, garantindo que a maternidade não seja vivida sob o peso do medo e da violência.

 

Como foi feita a pesquisa

O estudo longitudinal acompanhou as participantes em três etapas: pré-natal, nascimento e um segundo seguimento, quando as crianças tinham entre 12 e 35 meses. No total, 1.447 gestantes foram entrevistadas entre fevereiro de 2010 e junho de 2011 e o acompanhamento posterior contou com 1.151 mães.

A investigação sobre a violência na gestação foi feita por meio do questionário da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre violência contra a mulher. A exposição à violência por parceiro íntimo foi considerada a variável principal, enquanto o tempo de retorno às atividades sexuais após o parto foi a variável de desfecho. Também foram analisados fatores como apoio social, nível socioeconômico, saúde mental da gestante e escolaridade do casal. Os dados foram processados com o software Stata 14.0, e as análises estatísticas incluíram testes de comparação e regressão logística para verificar possíveis associações entre as variáveis.

A violência impacta a saúde mental, mas não o tempo de retomada da vida sexual

Os resultados do estudo indicam que não houve associação significativa entre a violência por parceiro íntimo na gestação e o tempo de retorno das atividades sexuais após o parto. A maioria das mulheres (67,96%) retomou a vida sexual até três meses após o nascimento do bebê, um padrão semelhante ao encontrado na literatura científica.

A prevalência de violência por parceiro íntimo na gestação foi de 24,06%, um número menor do que o esperado. “Fatores como o sentimento de culpa e o intenso estresse psicológico vivenciado pelas vítimas podem dificultar a produção de registros sobre violência e gestação”, explica Liendne Abreu. Ela destaca que esse índice pode refletir uma subnotificação dos casos, já que muitas mulheres enfrentam barreiras para denunciar a violência, seja por medo, vergonha ou falta de acesso a um atendimento adequado.

Embora o estudo não tenha encontrado relação direta entre a violência conjugal e o tempo de retomada da vida sexual, a pesquisadora alerta que a violência é um fator de risco para transtornos mentais no período gravídico-puerperal, como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. Esses fatores podem influenciar o desejo sexual e a satisfação da mulher no pós-parto, mesmo que não alterem necessariamente o tempo de retomada das relações.

Com isso, os resultados reforçam a importância de integrar a discussão sobre violência e sexualidade na assistência materna. O estudo aponta que, além de combater a violência doméstica, é necessário oferecer suporte psicológico e garantir que as mulheres tenham autonomia para viver a maternidade sem imposições e sem medo.

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