Revista Inovação FAPEMA

Tese de doutorado estuda reflexos da criação da Reserva Extrativista de Cururupu

A pesquisadora pretende transformar a tese em livro, além de uma obra fotográfica com destaque para famílias e o seu modo de vida no ambiente.

A Reserva Extrativista (RESEX) Marinha de Cururupu foi criada por lei em 2004

Rosalva de Jesus dos Reis

Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e mestra em Gestão e Políticas Ambientais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduada e licenciada em Geografia (UFMA). Professor adjunto da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).  Pesquisas com ênfase em Geografia da População, Gestão e Planejamento Ambiental, atuando principalmente nos geografia, estudos populacionais, unidades de conservação (APA e RESEX), gestão ambiental e educação ambiental. Detém uma trajetória de experiências acadêmicas e docentes referentes ao litoral maranhense e a estudos e projetos desenvolvidos em unidades de conservação.

“Reserva Extrativista Marinha de Cururupu: Limites e Possibilidades à Sustentabilidade Ambiental”. Esse é o título da pesquisa de autoria de Rosalva de Jesus dos Reis, desenvolvida no Programa de Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e que conquistou o Prêmio Fapema 2021 na categoria Tese de Doutorado, área de Ciências Humanas e Sociais.

Sob orientação da professora Cláudia Maria da Costa Gonçalves, pós-doutora em Direito, a pesquisa foi realizada entre 2015 e 2018 e analisou os aspectos que favorecem e que dificultam a sustentabilidade ambiental na localidade. “É um local pouco estudado pelos geógrafos”, pontuou Rosalva Reis.  “É uma oportunidade de contribuir para a produção de conhecimento sobre a sua importância social e econômica, as comunidades que ali vivem e o destaque dessa porção do litoral ocidental maranhense, em âmbito local e internacional”, ressaltou.  “Como uma unidade de conservação habitada por comunidade tradicional, a gestão participativa é a melhor forma de caminhar rumo à sustentabilidade”, prosseguiu.

A Reserva Extrativista (RESEX) Marinha de Cururupu, criada por lei em 2004, é também conhecida como Costa de Rias e Reentrâncias Maranhenses e se localiza num arquipélago situado no município de Cururupu. Ela abrange, ainda, uma pequena parte do município de Serrano do Maranhão. A RESEX é composta por 13 comunidades, mas a pesquisadora atuou apenas nas regiões de Caçacueira,  Peru, São Lucas, Lençóis e Guajerutiua. “Em 2020, retomei as pesquisas na RESEX, pelo programa de Iniciação Científica da UEMA, nas comunidades de Bate-Vento, Iguará, Mirinzal e Retiro”, acrescentou a pesquisadora.

O ambiente foi entendido, na pesquisa, como resultado do comportamento e das inter-relações entre os animais humanos, animais não humanos (peixes, crustáceos, mariscos, pássaros e aves), marés, campos de dunas, ventos e manguezais. Para o reconhecimento dessa dinâmica ambiental, foram feitas observações diretas, comparações de imagens de satélites do início dos anos 2000 e da década atual. “Contamos, também, com a história oral e foram feitas aquisições de dados em campo a partir do uso de um equipamento GPS de navegação Garmim GPS 76CSx e do modelo Etrex Venture HC, ambos com interface para SIG’s”, informou Rosalva.

A pesquisadora afirma que a  RESEX não é uma ilha, o que, sendo ela, parece um paradoxo porque ela se constitui, naturalmente, em um arquipélago. “Isso é explicado pelo fato de que essa unidade de conservação se relaciona com outros espaços, mais amplos, nacionais e internacionais, ela não está isolada”, observou.

 

Rosalva explica que na organização socioeconômica da RESEX foi possível identificar diversas manifestações coletivas e individuais, além de sistemas simbólicos, que cumprem a sua função política de instrumentos de imposição e legitimação de dominação de uma classe social por outra. “Como afirma Bordieu  é o poder de construção da realidade, o sentido social do mundo”, ressaltou.

Técnicas proibidas sustentam famílias 

A pesquisa identificou que a cadeia produtiva local ainda proporciona poucos ganhos aos pescadores. “A ação de atravessadores, das próprias ilhas e de outras localidades, é permanente e eles são os grandes privilegiados econômicos do sistema”, afirmou Rosalva.

Segunda ela, técnicas danosas de pesca ainda são praticadas. “No caso da zangaria, a situação não é tão simples de se resolver, pois quase todas as famílias estão envolvidas no processo”, avaliou. “Uma comunidade como São Lucas depende economicamente desse tipo de arte de pesca”, prosseguiu. “Jovens, mulheres e os pescadores são envolvidos na atividade e a zangaria é responsável pela manutenção de inúmeras famílias”, ressaltou. “Quando as redes utilizadas são apreendidas e até queimadas (por estarem atuando fora do período legal), o impacto econômico e, por cadeia, social, é muito grande”, destacou. E a população já considera a sardinha e a pescada amarela como espécies escassas.

De acordo com a pesquisadora, se essa situação permanecer, a questão socioeconômica seria atendida (por um certo período de tempo), mas a ecológica não. “Há uma grande mortalidade de espécies comercialmente inexpressivas e, do ponto de vista da cadeia alimentar, as espécies fadadas à morte são muito importantes”, explicou.

Segundo a pesquisadora, a falta de reestruturação da cadeia produtiva contribui para que os níveis socioeconômicos tenham tido uma melhora pouco expressiva na região. “Quem dá essa certeza são os dados do IBGE e os relatos das pessoas entrevistadas durante as etapas de campo”, informou. 

Além de uma oferta limitada de educação formal, há pouca diversificação da economia com funções e rendas atrativas para quem vai entrar no mercado de trabalho ou, ainda, para quem não quer ou não pode mais se dedicar à pesca. “Há que ter alternativas para as comunidades que tradicionalmente praticam esse tipo de pesca e se mantêm a partir dela”, pontou Rosalva. “Uma alternativa viável é o Turismo Comunitário, que provoca baixo impacto ecológico, com retorno econômico para a população.”, propôs.

Uso de recursos e sustentabilidade

A pesquisa identificou que, a partir da criação da RESEX, passou a ocorrer um ordenamento na exploração manguezais. “A preservação de algumas porções de manguezais em Caçacueira e Guajerutiua são de importâncias vitais, pois protegem as comunidades do livre avanço da água do mar”, assinalou a pesquisadora. “Na comunidade Lençóis, os manguezais protegem a área habitada do livre avanço da areia transportada pelo vento”, pontuou. 

De acordo com a pesquisadora, a conscientização da importância dos manguezais, seguida de ações efetivas para a sua conservação é garantia de sustentabilidade. “Os manguezais da RESEX são importantes para a reprodução e desenvolvimento de espécies locais e servem de pouso para as aves migratórias, em rota hemisférica”, destacou.

A pesquisa destaca, ainda, a realização de mutirões para recolhimento dos resíduos das comunidades, como ação derivada do Programa Bolsa Verde – um programa governamental que visa ajudar as famílias em situação de extrema pobreza incentivando práticas de proteção a natureza e concessão de benefício financeiro.  “A ação demostrou a capacidade de organização das comunidades pelo bem comum, com protagonismo das mulheres e inserção dos jovens”, observou.  No entanto, para a pesquisadora, a noção de limpeza não pode estar atrelada apenas à percepção de valores monetários. “Ela tem que evoluir para a adoção de atitudes proativas e de hábitos de consumo menos danosos ou não danosos à natureza”, assinalou.

Educação ambiental e fiscalização

A pesquisa não observou situações de educação ambiental. “Não se teve conhecimento, mesmo a partir de entrevistas com duas gestoras escolares, de educação ambiental realizada nos colégios. “Vários entrevistados citaram um projeto referente à preservação da pescada amarela realizado por uma ONG”, afirmou a pesquisadora. “Mas, pela amplitude da RESEX e por sua importância ecológica e socioeconômica, isso é pouco e outras ações se fazem necessárias e urgentes”, recomendou.

A pesquisadora constatou, porém, a ação fiscalização da Capitania dos Portos do Maranhão na RESEX, no âmbito da inspeção naval.  Também contatou que o Instituto Chico Mendes (ICMBio), como órgão gestor da RESEX, possui pequeno contingente de funcionários para fiscalizar a unidade, em comparação com a extensão territorial e a configuração em arquipélago.

Mudanças 

Dentre as mudanças positivas com a criação da RESEX, a pesquisa identificou, na percepção da comunidade, a proteção dos manguezais e a limpeza das comunidades a partir da implantação do programa de transferência de renda “Bolsa Verde”. “Há relatos de que foi reduzida a retirada da vegetação após a criação da Reserva e a sua limpeza pelas comunidades também é apontada como uma mudança”, ressaltou a pesquisadora. Outra mudança relatada é a maior comunicação entre as comunidades. “Antes havia um certo isolamento entre elas, mas com as reuniões promovidas, durante o processo de criação e a partir da institucionalização da unidade, houve uma aproximação”, destacou.

Como problema, permanece a questão da infra-estrutura nas comunidades “Não ocorreram mudanças significativas”, afirma Rosalva. No período pesquisado, todas as comunidades só contavam com escolas de Ensino Fundamental. Na comunidade Lençóis, a escola foi tomada pelas dunas, assim como todas as edificações próximas.  Somente em Lençóis há a energia eólica, cuja implantação decorreu de um programa desenvolvido pela Universidade Federal do Maranhão. Também há relatos sobre a precariedade do serviço de saúde nas comunidades.

Metodologia do projeto 

A pesquisa se caracteriza por ser qualiquantitativa e compatibilizou dados dos Censos de 2000 e 2010, disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no banco de dados Agregados por Setores Censitários.

De acordo com o IBGE, setor censitário é a unidade territorial estabelecida para fins de controle cadastral, formado por área contínua, situada em um único quadro urbano ou rural, com dimensão e número de domicílios que permitam o levantamento por um recenseador. As comunidades de São Lucas e Guajerutiua são compostas por dois setores censitários. Nas demais, há apenas um setor.

Várias atividades foram desenvolvidas, ao longo da pesquisa, como observação não participativa, realização de entrevistas, registro fotográfico e oficina de mapeamento participativo com alunos da comunidade de Lençóis.

A primeira etapa da metodologia culminou com a elaboração de gráficos e quadros.  A pesquisa trabalhou com as variáveis “domicílio” (espécie e tipo, características dos domicílios particulares permanentes ocupados, como quantidade de banheiros) e “moradores” (número de pessoas, o responsável pelo domicílio, alfabetização e rendimento).

A comparação dos dados censitários permitiu analisar como as variáveis selecionadas apresentavam-se antes da criação da RESEX (dados do censo de 2000) e como elas estavam em 2010 (período posterior à criação da unidade de conservação). “Com isso, foi possível identificar se ocorreram avanços, retrocessos ou permanência das situações investigadas”, afirmou a pesquisadora.

As informações sobre forma de abastecimento de água, destino do lixo, existência ou não de energia elétrica foram obtidas por meio das entrevistas. Em seguida, foi realizada pesquisa bibliográfica, com levantamento e análise teses, dissertações, artigos, documentários e relatórios técnicos que fundamentaram as temáticas e ampliaram o conhecimento sobre o local pesquisado.

Posteriormente foi efetuada uma pesquisa documental, com levantamento da documentação cartográfica e de sensoriamento remoto com foco na RESEX estudada. “Também analisamos decretos, leis, resoluções, portarias e atas das reuniões que antecederam a criação da unidade de conservação, das reuniões do Conselho Gestor e da Associação de Moradores”, informou Rosalva.

Foram realizadas 57 (cinquenta e sete) entrevistas, em São Luís, Apicum-Açu e Cururupu, com moradores da Reserva; representantes de instituições locais como Colônia de Pescadores, Sindicato de Pescadores e Associação de Moradores, além de técnicos do órgão gestor e órgãos na esfera municipal e Capitania dos Portos.

A análise dos dados se baseou na análise do discurso de Foucault, com a utilização da técnica interpretativa para facilitar o surgimento do conteúdo latente por trás do discurso desenvolvido. “Tentamos identificar os procedimentos de controle e delimitação do discurso”, assinalou a pesquisadora.

Para compreender as manifestações sociais na RESEX e suas relações com aspectos de ordem econômica, cultural e ecológica, foi utilizado o referencial teórico de Pierre Bordieu, com destaque para as concepções de campo, habitus e capital.

Foram utilizados métodos e técnicas inerentes ao uso das geotecnologias, com a aquisição, tratamento e projeção de imagens de satélite para a área de estudo, elaboração das cartas imagem, extração de informações e interpretação e composição colorida para elucidar os alvos a serem identificados nas imagens de satélite.

Foram obtidas cartas topográficas da Divisão de Serviços Geográficos do Exército para o ano de 1988, como fonte de obtenção de elementos toponímicos, e um retrato do uso e da cobertura para aquele período.

Também foi realizada uma oficina sobre elementos cartográficos com a comunidade escolar do ensino fundamental de 1º  ao 4º ano.

Outros projetos que agregaram resultados para a tese

      População e economia na Reserva Extrativista Marinha de Cururupu. Projeto do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC/UEMA, cota 2015-2016

      População e ambiente natural na Reserva Extrativista Marinha de Cururupu, projeto realizado com 2 alunos do Colégio Universitário da Universidade Federal do Maranhão (COLUN/UFMA), por meio do Edital nº 09/2015 – PROCIENCIA, da FAPEMA, 05/10/2015 à 05/10/2016.

      Reserva Extrativista Marinha de Cururupu-MA: limites e possibilidades para uma gestão ambiental participativa. Projeto do PIBIC/UEMA, cota 2016-2017. 

      Avaliação dos impactos socioambientais da implantação da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu (Edital nº 40/2015 – APP Universal, da FAPEMA). 05/12/2016 à 05/12/2018. Equipe formada por professores do COLUN, Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Campus Monte Castelo e acadêmicos da UEMA.

Equipe de trabalho 

Ulisses Denache Vieira Souza (COLUN/UFMA)

Rosangela Maria Paixão Pinheiro (IFMA, Campus Monte Castelo)

Esron Álex Gonçalves Magalhães (COLUN/UFMA)

Reydne Carlos Costa Amaral Neto (COLUN/UFMA)

Matheus Moura Garcês (Curso de Geografia – UEMA)

Natália Almeida (Curso de Geografia – UEMA)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *