Documentos importantes da história do Teatro Arthur Azevedo são resgatados por pesquisadora apoiada pela FAPEMA
Marineide Câmara Silva
Doutoranda do programa de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mestra pelo Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), especialista em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília (UnB), com licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas (UFMA). Professora do curso de Licenciatura em Teatro da UFMA, pesquisa sobre história e formação docente em Teatro.
Localizado na Rua do Sol, no centro de São Luís, o Teatro Arthur Azevedo possui uma história de mais de 200 anos. Em 1816 as construções começaram e em 1817 foi inaugurado o então “Teatro União”, com o nome que remetia à formação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, consequência da vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil. Em 1852 foi renomeado “Teatro São Luiz” e, em 1920, ganhou a alcunha que carrega até hoje, em homenagem ao dramaturgo maranhense Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo.
O Teatro é reconhecido internacionalmente: ele foi eleito, em 2012, pelo Bureau Internacional de Capitais Culturais (IBOCC), como um dos sete tesouros do Patrimônio Cultural Material de São Luís. Além disso, é uma construção reconhecida pelos próprios maranhenses como um verdadeiro centro de fomento cultural, onde milhares de apresentações aconteceram e ainda vão acontecer. Apesar da importância do local, existem ainda muitas lacunas sobre a sua história, que abrem espaço para o trabalho de vários pesquisadores
Uma dessas lacunas é justamente o período inicial do Teatro, nos seus anos de existência até a independência do Brasil. Como a literatura sobre este período ainda é escassa, a pesquisadora Marineide Câmara, professora do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), conduziu sua pesquisa de doutorado buscando entender mais sobre o período histórico entre 1815 e 1823, quando o local era administrado pelo empresário português Elutério Varela. O trabalho, intitulado “Memória dos desacontecimentos do teatro no Maranhão do século XIX: O Teatro União” foi realizado em Portugal, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, por meio do Programa de Doutoramento em Estudos do Teatro, com o apoio financeiro da FAPEMA (Bolsa de Doutorado no Exterior).
Os “Desacontecimentos” do título do trabalho são os recursos, as motivações, os agentes envolvidos no financiamento e produção dos espetáculos, além das primeiras plantas da casa teatral. “Os autores que se debruçaram nessa investigação tiveram acesso a pouco material e, com meu trabalho de doutorado, eu pude compor um corpus documental que vem recontar essa história do teatro União que, por muito tempo, foi desconhecida, além de torná-la pública para a comunidade maranhense”, explicou Marineide.
O corpus documental que a autora citou foi fruto de uma intensa pesquisa que começou no segundo semestre de 2019 e que buscou diferentes fontes. No arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, a pesquisadora encontrou documentação referente aos contratos entre empresário e artistas que formaram o elenco do União. Nos arquivos digitais do Projeto Resgate, do Arquivo Público do Estado do Maranhão e da Biblioteca Pública Benedito Leite, ela obteve requerimentos de passaportes que confirmaram e complementaram as informações dos contratos.
Já na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, foram encontradas documentações inéditas e de suma importância para a história do Teatro: o projeto arquitetônico do Teatro da União, composto por duas plantas do edifício, uma seção longitudinal direita e sua fachada frontal. Esses documentos acompanham, ainda, cartas do empresário administrador do Teatro dirigidas a D. João VI e D. Pedro I.
A pesquisadora enfrentou dificuldade para obter as cópias digitalizadas dos documentos, em virtude da pandemia da covid-19, que fez com que a instituição suspendesse suas atividades de atendimento presencial e solicitações on-line em novembro de 2020. A atividade só retornou à normalidade em dezembro de 2021, quando atendeu a solicitação relativa aos manuscritos.
Esses documentos do projeto arquitetônico já podem ser apreciados por todo o público, pois, em cerimônia realizada no dia 21 de junho, no mês em que o Teatro completou 205 anos, a pesquisadora fez a entrega oficial de cópias dos documentos para o acervo do Teatro e para a comunidade maranhense. A solenidade, que aconteceu na própria sede do teatro, contou com a presença de diversas autoridades. A diretora do Museu Palácio dos Leões, Ana Carolina Medeiros; o diretor-científico da Fapema, João Bottentuit Jr; o chefe da Divisão de Arquivo do Tribunal de Justiça do Maranhão, Christofferson Melo; e o diretor do Teatro Arthur Azevedo, Victor Silper; prestigiaram o evento, juntamente com artistas, pesquisadores e representantes da sociedade civil.
Para o professor João Bottentuit Jr, a pesquisa de Marineide é de uma importância ímpar para a comunidade maranhense. Ele destacou a multidisciplinaridade do seu trabalho. “A pesquisa da professora abre espaço para vários olhares: sobre a arte, sobre a história, sobre a cultura”, ressaltou. Ele afirmou, ainda, que aguarda pela continuidade do trabalho em pesquisas futuras. “A pesquisa, com certeza, vai permitir que outros pesquisadores possam contribuir, ainda mais, para cultura e a ciência de um estado tão rico quanto o nosso”, avaliou.
Os documentos, que já estão disponíveis para o público, são apenas uma fração do escopo da tese de doutorado de Marineide, que foi defendida em setembro. Além das fontes citadas, a pesquisadora obteve documentos no acervo físico do Arquivo Público do Maranhão, no Tribunal de Justiça do Maranhão, na Marinha em Portugal e em muitos outros. “A peregrinação por todos esses arquivos resultou na formação de um rico corpus documental, que em sua totalidade diz respeito ao percurso do Teatro e dos agentes relacionados a ele”, destacou a pesquisadora. “São parcas as informações sobre o fazer teatral, objeto caro para a historiografia do teatro, porém o corpus documental é de grande valia”, complementou. “A sua importância consiste na possibilidade da apresentação de outras perspectivas, outros ângulos não explorados pela narrativa cristalizada, à luz das fontes recém-descobertas, além dos jornais e folhetos do século XIX, contribuindo para a ampliação das escassas discussões sobre o teatro no Maranhão oitocentista”, apontou.
Marineide conta que, para que sua pesquisa fosse possível, o apoio financeiro da Fapema foi fundamental. “Todos esses documentos que consegui em Portugal são documentos em que a digitalização é paga em euro”, disse. “E lá na Europa percebi que tinha a necessidade de voltar para o Maranhão para fazer investigações no Arquivo Público e no arquivo do Tribunal de Justiça”, complementou. “Tive, até mesmo, que ir no Pará consultar os arquivos que se encontravam naquele estado”, afirmou. “Todas essas viagens só foram possíveis por conta do suporte da FAPEMA e, se não fosse por ela, acho que eu nem teria saído do Maranhão”, finalizou a pesquisadora.