Pesquisa analisa políticas públicas diante do fluxo migratório venezuelano em São Luís

Carlla Coelho
Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), cursa pós-graduação em Neuropsicologia (IPOG). Membro do Grupo de Estudos em Saúde e Subjetividade – CNPQ. Atua na na Coordenação de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente (SES/MA). Interesse por Políticas Públicas, Saúde Coletiva, Psicanálise e Infância.
Em um mundo cada vez mais marcado por deslocamentos forçados, as fronteiras geográficas já não delimitam os desafios das políticas públicas. O Brasil e, particularmente, o Maranhão se tornam pontos de acolhimento — e também de tensão — para populações que cruzam continentes em busca de sobrevivência.
Em São Luís, capital nordestina estratégica no fluxo migratório venezuelano, indígenas da etnia Warao vivem hoje um cotidiano marcado pela luta por direitos básicos, como moradia, alimentação e, sobretudo, acesso digno à saúde. É nesse cenário que se insere a pesquisa “Atenção à saúde reprodutiva de mulheres indígenas venezuelanas no município de São Luís”, desenvolvida por Carlla Cristinny Miranda Coelho, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
“Ao mergulhar na realidade das mulheres Warao em São Luís, a pesquisa revelou um panorama crítico sobre o funcionamento da rede de saúde diante de uma população com práticas, línguas e valores culturais distintos”, ressalta a pesquisadora. Os resultados apontam o impacto da ausência de mediação cultural e a dificuldade das equipes de saúde em estabelecer vínculos com as mulheres indígenas, gerando atendimentos fragmentados. “A rotatividade de trabalhadores da saúde, a ausência de protocolos, a baixa cobertura da atenção básica e a falta de políticas integradas criam um cenário de atendimento precarizado, especialmente em tempos de crise como ocorrido na pandemia da Covid-19”, ressalta Carlla. Mesmo assim, de acordo com a pesquisadora, o estudo demonstra o compromisso dos profissionais da saúde com a construção de um cuidado intercultural.

“Outro ponto inovador do estudo é a análise das necessidades reprodutivas das mulheres Warao, tema frequentemente negligenciado nas políticas de saúde”, afirma Carlla. As ações assistenciais observadas se concentravam no controle de natalidade e deixavam de lado o respeito à autonomia, às práticas tradicionais e ao contexto de vida dessas mulheres. De acordo com a pesquisadora, para garantir uma atenção efetiva à saúde sexual e reprodutiva dessas mulheres, “é importante assegurar políticas públicas, educação permanente e formação intercultural aos profissionais”.
“Um dos aspectos mais marcantes revelados pela pesquisa está a ‘coleta’ – nome dado à prática de pedir dinheiro em sinais de trânsito, muito comum entre as famílias Warao”, revela. De acordo com a pesquisadora, a prática é uma estratégia de sobrevivência diante da escassez de recursos materiais e da falta de trabalho. “A presença das mulheres, muitas vezes com crianças nos braços, expõe dilemas legais, sociais e morais que desafiam tanto os profissionais que lidam com a migração quanto a população local”, avalia.
Por políticas públicas
O estudo representa um avanço importante ao oferecer subsídios concretos para o aprimoramento das políticas públicas voltadas à população indígena e migrante no Maranhão. Dentre os resultados encontram-se propostas de estratégias de cuidado mais inclusivas, com enfoque de gênero e sensibilidade cultural, em sintonia com os desafios impostos pela migração forçada e pela diversidade étnica. “É necessário que, nos âmbitos nacional, estadual e municipal, sejam estabelecidas políticas, marcos e diretrizes contextualizados à realidade dessas populações”, afirma a pesquisadora.
“Mais do que um diagnóstico, o trabalho representa uma proposição de transformação diante dos desafios enfrentados pelas mulheres Warao e dos limites das respostas institucionais”, prossegue Carlla. “O trabalho convida à reflexão sobre as dificuldades vividas por aquelas que atravessam fronteiras em busca de uma vida mais digna”, ressalta.
Apoio da Fapema, CNPq e orgão internacional
O desenvolvimento da pesquisa contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), por meio do Edital PPSUS nº 09/2020, além de concessão de bolsas de pós-doutorado e de iniciação científica. Também houve financiamento do Economic and Social Research Council (ESRC), do Reino Unido, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Esses apoios reforçam o compromisso com pesquisas que ultrapassam os muros da academia e geram conhecimento aplicado às realidades sociais locais”, avalia Carlla. “Neste caso, trata-se de um olhar sensível e fundamentado sobre um público frequentemente invisibilizado pelas estatísticas e pelas políticas convencionais”, complementa.
O estudo, realizado durante o período de iniciação científica, integra projeto de cooperação internacional ReGHID – Redressing Gendered Health Inequalities of Displaced Women and Girls in Contexts of Protracted Crisis in Central and South America, coordenado pela professora e pesquisadora Pia Riggirozzi, chefe do Departamento de Política e Relações Internacionais da University of Southampton. Ele busca compreender e enfrentar as desigualdades de saúde de mulheres e meninas deslocadas por crises prolongadas na América Central e do Sul.
O recorte brasileiro do estudo, intitulado “Necessidades e desafios relativos à saúde sexual e reprodutiva de mulheres adultas e adolescentes migrantes”, tem coordenação nacional de Maria do Carmo Leal, doutora e mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz ((Fiocruz), onde atua como professora. No Maranhão, o trabalho foi realizado em parceria com a UFMA, sob coordenação da professora Zeni Carvalho Lamy, doutora em Saúde da Criança e da Mulher, e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Saúde e Subjetividade (GESS), responsável pela pesquisa de campo em São Luís.