Múltiplos poderes se estabeleceram na formação do governo colonial com transgressões das leis de Portugal
Lauana Rafaela Gomes
Graduanda em História pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e membro do Grupo de Pesquisa e Documentação em História Social e Política do Maranhão (GP-DOHSPEM).
Entusiasta da educação e da história, dedica-se à pesquisa em História Cultural e Social, com ênfase para o Maranhão.
No século XVIII, a cidade de São Luís vivenciou um período único em sua história política e administrativa, com a atuação da figura dos chamados ‘juízes do povo’. Estudo realizado pela pesquisadora e graduanda em História pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Lauana Rafaela Gomes, debruça-se sobre os cargos e a estrutura institucional da Câmara de São Luís.
Destacando o papel fundamental desempenhado por figuras como Julião da Silva que, à época, assumiu as funções de Juiz de Ofício e Procurador do Povo, o trabalho tem apoio do Governo do Estado, via Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), e está entre os vencedores do Prêmio FAPEMA 2023.
Analisando o funcionamento da casa legislativa municipal, as jurisdições desses importantes ofícios e seu reflexo na governabilidade da justiça, a pesquisa revela detalhes sobre a organização da Câmara naquele período histórico. Cargos e responsabilidades eram distribuídos de maneira estratégica, impactando na complexa dinâmica política da época. O estudo traz uma visão ampla do sistema administrativo da cidade, evidenciando o papel da instituição municipal e se aprofundando nas jurisdições de Juiz de Ofício e Procurador do Povo. A avaliação de casos específicos e documentos históricos permite uma compreensão mais profunda das dinâmicas que moldaram o cenário político e jurídico de São Luís naquele período.
A pesquisa destaca a figura proeminente de Julião da Silva, eleito como Juiz de Ofício e Procurador do Povo. Julião da Silva emerge como um protagonista na condução dos destinos da cidade, representando os interesses do povo nas esferas legislativa e judicial. O tema parte de estudo de caso que exemplifica a cultura política do Maranhão colonial.
Em abril de 1725, Julião da Silva, que era um dos procuradores do povo de São Luís, denunciou o marchante João da Silva Barbosa à Câmara. Barbosa. Entre a Páscoa de 1725 e o Entrudo de 1726, ele era autorizado a fornecer carne ao açougue local, mas não estava cumprindo o contrato. Também foi denunciada a situação de pobreza e calamidade da cidade. As queixas de Julião da Silva se referiam à corrupção, ao autoritarismo e à impunidade dos poderes locais.
“A situação relatada por Julião da Silva exemplifica as fissuras na administração, expondo quebra de jurisdições e descumprimento dos regimentos e ordenações régias, por parte dos oficiais da Câmara de São Luís. Sua trajetória oferece informações peculiares sobre a relação entre os cargos, a justiça e a governança, na cidade de São Luís do século XVIII. O trabalho se pauta na compreensão da formação da governabilidade brasileira, tendo o Maranhão como cenário para entendermos como se constituía o sistema administrativo, seus agentes e seus interesses”, explica a pesquisadora Lauana Gomes.
Ela reforça que a reflexão sobre as más práticas dos governantes e representantes dos poderes locais do período colonial do Maranhão são bastante significativas para compreensão da política e dos modos de governar nas áreas coloniais do Império português. Desenvolver um projeto de pesquisa no campo dessa temática possibilitou, também, compreender, historicamente, os comportamentos sociais em contextos pandêmicos. Ela pontua, ainda, que esse cenário, de uniformidades político-administrativas hierarquizadas entre si, fez das competências jurisdicionais múltiplos espaços de poder, conflitos, autoritarismos e corrupções.
Mentalidade administrativa
Segundo o estudo, as colônias portuguesas eram difíceis de serem administradas e controladas pela Coroa, apresentando, ainda, a heterogeneidade da América Portuguesa, por vezes esquecida pela historiografia brasileira. Nesse contexto, foi observado que as Câmaras Municipais na sociedade eram muito significativas, sendo uma forma de organizar tais localidades. Porém, herdando tradições não muito positivas da política, esse espaço viria a sofrer algumas disputas de poder e contradições entre seus membros, em que nomes como o de Julião da Silva são destacados no exercício de sua prática.
“A partir do estudo, foi possível compreender que o processo de governamentalização do Estado colonial do Maranhão e Grão-Pará, ao mesmo tempo que criou uma estrutura administrativa para seu funcionamento, abriu espaço para uma multiplicidade de jurisdições e práticas governativas que transgrediam as leis e ordens régias do Reino Portugal. Esse processo fez das áreas coloniais ultramarinas espaços de múltiplos poderes e negociação da qualificação de sujeitos para compor a elite da governamentalidade”, ressalta o orientador da pesquisa e doutor em História, Eloy Abreu.
Apoio crucial
Eloy Abreu ressalta o papel da FAPEMA na condução do trabalho, pontuando que “o apoio da instituição com o fomento da bolsa e, também, com o incentivo à pesquisa por meio de editais, premiações e divulgação científica, foi fundamentalmente importante para o desenvolvimento da pesquisa”.
Para Lauane Gomes, apoiar as pesquisas é contribuir para o avanço de uma sociedade. “O fomento da FAPEMA torna-se muito importante e necessário para continuidade das pesquisas. No meu caso, especificamente, essa ajuda foi essencial em todos os sentidos, possibilitando, em particular, a participação em eventos e o contato com outras áreas de estudo, contribuindo, ainda mais, para minha formação e o desenvolvimento como pesquisadora”, afirma.
O presidente da instituição, Nordman Wall, destaca a relevância do resgate histórico-político do Maranhão e o apoio a pesquisas que lançam luz sobre momentos fundamentais na formação da identidade local. “Investir em projetos que resgatam nossa história política é fundamental para compreendermos as raízes da sociedade. A FAPEMA tem o compromisso de apoiar pesquisas que contribuam para o enriquecimento do conhecimento sobre nosso passado e, por consequência, fortalecem nossa identidade cultural. Este trabalho contribui, significativamente, para a compreensão da São Luís colonial e reforça a importância de preservar e valorizar a história política do Maranhão”, aponta.
Assista, a seguir, ao vídeo vencedor do Prêmio Fapema 2023.