É preciso romper estereótipos e incentivar a produção acadêmica entre professores de educação básica.

Izadora Mascarenhas
Cursa a graduação em Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UniFacema) Campus Caxias (MA). Técnica em Meio Ambiente (Instituto Federal do Maranhão (IFMA) Campus Buriticupu. Foi bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC Ensino Médio 2021-2022, Cota CNPq) e jovem pesquisadora do projeto “Produção científica dos professores de Educação Física do IFMA no período de 2010 a 2020: panorama e perspectivas”
Cada vez mais se reconhece que o papel do professor vai além da sala de aula, incluindo também a atuação como pesquisador. No entanto, a imagem do professor de Educação Física ainda é frequentemente associada apenas à prática corporal—esportes, ginástica, academias—e menos à produção de conhecimento teórico. Essa visão restrita contrasta com a própria essência do ensino, que envolve a produção, reprodução e sistematização do saber em qualquer área do conhecimento.
A pesquisa científica em Educação Física desempenha um papel fundamental, tanto no ambiente acadêmico quanto em sua relação com a sociedade. Seu caráter interdisciplinar permite contribuições significativas para campos como educação, saúde e até mesmo a formulação de políticas públicas. Estudos na área ajudam a entender e aprimorar processos de ensino, promover hábitos saudáveis e desenvolver inovações que proporcionem a execução de atividades físicas mais eficientes, seguras e inclusivas.
Se a pesquisa tem essa relevância, é essencial romper com estereótipos e ampliar a compreensão acerca da figura do pesquisador em educação física. Quais são os temas que mais despertam seu interesse? Onde suas produções são publicadas e por quais razões? Existem áreas do conhecimento ainda negligenciadas? Que tipo de apoio esses profissionais precisam para ampliar o impacto de suas investigações? Refletir sobre essas questões é fundamental para valorizar a produção acadêmica na Educação Física e ampliar seu alcance dentro e fora do meio científico.
Foi para refletir acerca desses temas (e apresentar um panorama regional acerca do que é produzido) que a estudante de Ensino Médio Técnico em Meio Ambiente do Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Izadora Mascarenhas, coletou dados e traçou o perfil e analisou a produção científica dos professores de educação física da instituição, entre os anos de 2010 e 2020. A qualidade da pesquisa e a sua relevância foi confirmada através do reconhecimento na edição 2024 do Prêmio FAPEMA, em que a jovem cientista e sua orientadora Rafaelle Araújo foram premiadas na categoria Pesquisador Júnior.

Metodologia
A metodologia escolhida para coletar e analisar os dados foi de natureza quanti-qualitativa. Assim, a pesquisadora identificou 60 professores que atuam em 30 campi do Instituto em todas as regiões do Maranhão, coletou dados necessários para construção do perfil do docente (sexo, tempo de serviço, titulação, participação em pesquisas, etc), além de informações coletadas na platarforma lattes sobre suas produções acadêmicas e participações em projetos de pesquisa. A análise dos dados obtidos foi objeto de discussão com base em referencial teórico que permitiu reflexões acerca da produção levando em conta as relações complexas que interpelam a vida destes profissionais durante o ensino e a pesquisa.
Com as informações em mãos, foi identificado um equilíbrio entre profissionais de ambos os gêneros, sendo 51% deles do sexo masculino. Quanto ao tempo de serviço, foi observado que a maioria dos professores (87%) atua na instituição há pelo menos 5 anos e a especialização é a titulação mais comum entre eles (67%). Partindo para a consulta da plataforma lattes, a pesquisadora observou que 11% dos docentes investigados não possuíam cadastro na plataforma. “Este é um dado que revela, também, a ausência de projetos de pesquisa científica, uma vez que o currículo lattes é parte integrante dos critérios de avaliação das propostas submetidas na instituição”, explica Isadora.
Essa observação foi confirmada na etapa de análise do currículo, quando foi possível detectar que praticamente metade (49%) dos professores de educação física não possui produção científica documentada. Esta é uma deficiência observada por vários autores que investigam o tema, como a doutora em psicologia escolar e desenvolvimento humano Suraya Darido, uma das principais referências da pesquisa de Isadora e que afirma, em sua obra “Desafios da educação física escolar” que sempre houve um foco maior em ‘saber fazer’ do que em ‘saber sobre o fazer’ das atividades práticas corporais, o que resulta em uma cultura docente pragmática que limita possibilidades de interlocução e reflexão.

Esse ‘problema cultural’ da docência em educação física é acentuado quando são consideradas as condições reais de produção de conhecimento por docentes da educação básica, que possuem pouco tempo disponível para produção acadêmica e formação continuada em virtude do grande número de horas dedicadas ao ensino em si. Por isso, os dados obtidos pela estudante de ensino médio apontam a necessidade de melhorias de condições de trabalho e políticas de incentivo que permitam que a prática docente seja desenvolvida plenamente, ou seja, com a execução de projetos de ensino, pesquisa e extensão.
Dentre as pesquisas que foram detectadas, a estudante constatou a existência de projetos em quatro áreas estratégicas: lazer, educação, esporte e saúde. Educação foi o tema prioritário, com grande foco na interdisciplinaridade característica da disciplina, com reflexões acerca da relação entre a atividade física e temas como inclusão social e meio ambiente.
Saúde foi o segundo tema mais escolhido – uma relação que a ciência já conhece bem. De acordo com o relatório de 2017 do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento humano (PNUD), agência ligada à ONU ligada à promoção da qualidade de vida, a relação entre a prática de atividades físicas e uma vida saudável já é comprovada no campo científico e também é um consenso na sociedade. Sobre as pesquisas nessa área, o destaque é para a existência de projetos que abordaram o Covid-19 durante os anos de pandemia, “Isso que mostra que quem produz ciência em educação física compartilhou o compromisso com a sociedade e também esteve na linha de frente mesmo enfrentando a precariedade observada no Brasil e no mundo”, avalia a jovem pesquisadora.
Ao analisar os professores do IFMA, a pesquisa de Izadora dá um passo importante na compreensão acerca de quem é o docente em educação física no Maranhão e quais os temas que despertam seu interesse acadêmico. A pesquisa constatou um quadro similar ao que já foi documentado por pesquisadores que investigaram o tema antes. Ou seja, mesmo que exista um potencial amplo e diverso na pesquisa científica em educação física, ele é subaproveitado na educação básica, tanto por problemas estruturais do sistema de ensino que afetam todos os professores igualmente, quanto por uma noção enraizada na própria cultura docente nesta área.
Observando o que já é produzido, uma conclusão é cristalina: Quando o professor de educação física se apropria da sua competência e responsabilidade como pesquisador, ele percebe que sua contribuição para a sociedade vai além das quatro linhas das quadras poliesportivas. Esta mudança de perspectiva pode, até mesmo, fazer com o que o professor veja a mesma quadra com o olhar apurado de um cientista, percebendo nela um laboratório sob medida para a produção de conhecimento e transformação da realidade através da Ciência, Tecnologia e Inovação.