Estudo avalia espécies de plantas para obtenção de óleos essenciais

Auxiliadora Corrêa Barata Lopes
Doutora em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede BIONORTE/ UFMA). Mestre em Ensino Tecnológico (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas/IFAM). Especialista em Tecnologia em Alimentos (Universidade Estácio de Sá) e em Metodologia do Ensino de Biologia e Química (UNINTER). Licenciada em Química (Universidade Estadual do Maranhão/UEMA) e graduada em Tecnologia em Alimentos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA). Atua no ensino básico, técnico, tecnológico e superior. Investiga sobre temáticas diversas na área de alimentos e biotecnologia, além de metodologias e recursos tecnológicos para o ensino da Química.
A riqueza da flora brasileira, com sua diversidade de plantas nativas, tem se mostrado uma fonte inesgotável de soluções biotecnológicas. O Maranhão está entre os estados mais ricos em biodiversidade e se destaca pela presença de espécies com grande potencial para aplicações científicas e tecnológicas. A afirmação pode ser constatada pela pesquisa ‘Potencial biotecnológico de espécies da flora maranhense: Duguetia stelechantha e Pectis brevipedunculata para o tratamento de doenças parasitárias e atividade antimicrobiana’. Desenvolvido pela doutora em Biotecnologia, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Auxiliadora Cristina Corrêa Barata Lopes, o estudo apresenta uma nova abordagem para o tratamento da leishmaniose e conservação de alimentos, por meio do uso de óleos essenciais extraídos de plantas presentes no estado.
Duas espécies da flora maranhense concentram o foco da pesquisa – Duguetia stelechantha, conhecida popularmente como ‘ata brava’, e Pectis brevipedunculata, ou ‘alecrim-do-campo’. Árvore pertencente à família Annonaceae, Duguetia stelechantha é encontrada principalmente no bioma Amazônia e possui compostos químicos com potentes propriedades biológicas, como alcaloides, terpenos e flavonoides. Até a realização da pesquisa, a composição volátil dessa planta era pouco conhecida. No entanto, os compostos presentes nas espécies do gênero Duguetia têm se diferenciado por suas atividades antimicrobianas, antioxidantes e anticancerígenas.
Já a Pectis brevipedunculata, de porte pequeno e pertencente à família Asteraceae, é uma planta típica dos biomas Caatinga e Cerrado, com grande ocorrência no Maranhão. Suas folhas contêm compostos como o citral, responsável pelo efeito calmante da planta, utilizado popularmente na forma de chá. O citral, uma mistura dos isômeros neral e geranial, é um marcador químico dos óleos essenciais dessa planta e também apresenta atividades antimicrobiana, nematicida e larvicida. Essas características tornam as duas espécies candidatas ideais para o desenvolvimento de novos tratamentos biotecnológicos.
Após extrair os óleos essenciais das plantas, o estudo incorpora essas substâncias em microemulsões – sistemas nanométricos compostos por fase aquosa, oleosa e surfactantes, que se caracterizam pela transparência óptica e estabilidade. Com isso, a expectativa é otimizar as propriedades antimicrobianas, antioxidantes e, especialmente, leishmanicidas dessas substâncias. As microemulsões podem aumentar a estabilidade e reduzir a toxicidade dos compostos, além de terem a possibilidade de aplicação em diversas áreas, como no desenvolvimento de fármacos para doenças parasitárias e na conservação de alimentos.
“Esses sistemas têm se mostrado eficazes na solubilização de compostos lipofílicos, como os óleos essenciais, aumentando a biodisponibilidade dos princípios ativos e, consequentemente, a sua eficácia. Portanto, é uma alternativa que pode contribuir, substancialmente para solucionar questões de saúde pública envolvendo esta doença”, explica a doutora em Química Orgânica e orientadora do estudo, Cláudia Quintino da Rocha.
A leishmaniose é uma doença infecciosa causada pelo protozoário Leishmania. Ela é endêmica em muitas regiões tropicais e, no Brasil, especialmente no Maranhão, a doença tem causado sérios problemas de saúde pública. Em 2022, o Maranhão registrou 1.553 casos, sendo o estado com maior índice da região Nordeste e o segundo no país. A doença não oferece imunidade e os tratamentos existentes possuem diversas limitações, incluindo efeitos adversos e resistência parasitária.
A utilização de óleos essenciais extraídos de plantas como Duguetia stelechantha e Pectis brevipedunculata pode ser uma alternativa promissora para o combate à leishmaniose. Os compostos presentes nesses óleos têm mostrado atividade contra o protozoário Leishmania e as microemulsões podem tornar esses compostos mais eficazes e menos tóxicos para as células humanas. Esses efeitos positivos são superiores aos dos óleos essenciais puros e os óleos obtidos no âmbito da pesquisa podem ser aplicados em doses bem menores, para eliminar os parasitas.
Impactos sociais e econômicos
Os resultados da pesquisa mostram que as microemulsões desenvolvidas com os óleos essenciais dessas plantas possuem um potencial biotecnológico imenso. A microemulsão de Duguetia stelechantha (ME-DU) foi capaz de inativar a Leishmania com uma dose cerca de 30 vezes menor que o óleo essencial puro, enquanto a microemulsão de Pectis brevipedunculata (ME-PB) foi 20 vezes mais eficiente que o óleo essencial e apresentou uma concentração inibitória inferior à do fármaco de referência – a pentamidina. As microemulsões também mostraram menor toxicidade celular e foram mais seletivas para inibir os parasitas, sem causar danos às células humanas.
Outra observação importante do estudo foi a aplicação das microemulsões na conservação de alimentos. Ao testar as microemulsões em morangos, os pesquisadores observaram que essas formulações conseguiram inibir a proliferação de microrganismos, como aeróbios mesófilos e fungos. Isso proporcionou o aumento da vida útil dos alimentos, prevenindo sua deterioração, o que confere impacto direto na economia local. “Um fato que contribui para reduzir perdas e aumentar os lucros de produtores e comerciantes, especialmente no contexto da agricultura familiar e mercados regionais”, observa a pesquisadora Auxiliadora Barata Lopes.
Perspectivas para o futuro
O estudo revela o grande potencial das plantas nativas do Maranhão para o desenvolvimento de bioprodutos inovadores, como novos fármacos e soluções para a conservação de alimentos. Além disso, a pesquisa contribui para o avanço científico local e global, ao proporcionar novas alternativas terapêuticas para uma doença negligenciada e ao explorar as possibilidades comerciais das microemulsões.
O impacto social e econômico dessa pesquisa é notável, pois oferece novas alternativas para a saúde pública e para a economia local, especialmente em um estado com desafios significativos como o Maranhão. O trabalho também gera um potencial de inovação no campo da biotecnologia, com possíveis repercussões para a produção de novos medicamentos e alimentos mais duráveis e seguros.
Os resultados da pesquisa foram amplamente reconhecidos, com a publicação de dois artigos em periódicos de alto impacto, consolidando a importância do estudo para o desenvolvimento da ciência e da biotecnologia no Brasil. “Com essas descobertas, abre-se um novo caminho para futuras pesquisas focadas no aproveitamento sustentável e no uso das riquezas naturais da flora maranhense, com benefícios para a saúde e para a economia do estado e do país”, enfatiza Auxiliadora Barata Lopes.