Revista Inovação FAPEMA

Antonio Rafael da Silva

PROFESSOR EMÉRITO DA UFMA E DETENTOR DO PRÊMIO ESPECIAL FAPEMA MARIA ARAGÃO

Prof. Rafael no povoado Piquiá mostrando a moradores a poeira em suas casas resultante da poluição pelas usinas de mineração, 2014.

O médico Antonio Rafael da Silva é um dos pioneiros da pós-graduação no Maranhão. Professor emérito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), graduado em 1968, pela Faculdade Nacional de Medicina, hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, iniciou as suas atividades médicas e de pesquisa tendo como eixos a malária e o calazar. Durante o curso de mestrado, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (1975), pesquisou sobre a malária na região pré-amazônica, localizada entre Santa Luzia e Açailândia, o que propiciou a fixação da colonização agrícola de Buriticupu.

Nesta entrevista, ela narra um pouco da sua trajetória, da sua linha de pesquisa e sobre os primeiros passos da Fapema.

Revista Inovação – Conte-nos sobre sua descoberta e o seu interesse pela temática Epidemiologia Clínica – diagnóstico e tratamento da malária, leishmaniose visceral e tegumentar e infecções bacterianas.

Antonio Rafael da Silva – Após a graduação, fui convidado a lecionar no curso de UFMA, em seguida à pós-graduação no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo onde tive os primeiros contatos práticos com a malária – a doença mais prevalente no Brasil, à época. Também conheci as leishmanioses tegumentar e visceral (calazar).  Então compreendi que sem a epidemiologia (estudo da ocorrência e distribuição das doenças em uma população) a medicina não cumpriria o seu papel de uma ciência social e profundamente humana. 

Admitido na UFMA e no INAMPS, iniciei as atividades médica e de pesquisa tendo como eixos a malária e a Leishmaniose Tegumentar. Anos depois, estudei e descrevi, pela primeira vez no Maranhão, um surto epidêmico da doença. A Calazar não fazia parte, até 1981, do quadro nosológico do Maranhão. Quanto as infecções bacterianas na década de 1970, dominavam a febre tifóide, as meningites, a difteria, coqueluche, o tétano e a leptospirose. Com o avanço da medicina, viroses como sarampo, rubéola e caxumba foram dominadas.

“Sinto orgulho quando parceiros dizem que fui um dos grandes colaboradores para o controle da malária no Maranhão”

Revista Inovação – De que trata, efetivamente a sua linha de pesquisa?

Rafael – A minha escolha pela Epidemiologia Clinica foi motivada por meu apego a trabalhos de campo, local onde os fatos acontecem, onde os sofrimentos ocorrem e onde existe escassez de recursos. É nesse local que o profissional deve empregar as armas mais eficazes que conhece. Na clínica (conjunto de sinais e sintomas que as doenças desenvolvem nas pessoas acometidas), na anamnese (arte de colher histórias de pacientes) e ao executar o exame físico, com o uso das mãos, do olhar, do escutar e do palpar. Esse foi o começo que me levou a escolher a linha de pesquisa. Isso me estimulou na pedagogia, a ensinar os meus alunos a realizarem uma boa anamnese, um bom exame físico e compatibilizar seus achados com os exames laboratoriais dispensados aos pacientes. Nessa linha dialética, as dúvidas e a vontade de saber me ensinaram o caminho e a necessidade do aprender estimulando-me à pesquisa.  

Revista Inovação – Fale mais sobre a sua pesquisa.

Rafael – Como o Maranhão possuía muitas doenças endêmicas, sendo a malária a principal, eu orientei minhas pesquisas para o campo da protozoologia. A malária é uma doença infecciosa, não contagiosa que acomete o ser humano, portanto uma antroponose. Doença transmitida por vetor (um mosquito) e todos que a estudam sabem ser de epidemiologia caprichosa, ou seja, qualquer descuido causa uma forte tragédia social e humana. Foi com pesquisa em malária que desenvolvi na Colonização Agricola de Buriticupu (dissertação de mestrado), estudo que ajudou a fixação da colonização elevada, na década de 1990, à condição de município de Buriticupu, distante de São Luís a 425 quilômetros. 

Revista Inovação – E a pesquisa em São Luís ?

Rafael – Na Ilha de São Luís pesquisei a persistência da malária em 12 localidades com alta incidência (tese de doutorado) e escrevi o livro MALÁRIA: Uma Crise no Setor Saúde. Esses estudos apontavam para a necessidade do controle local e o envolvimento da comunidade, o que veio a acontecer com o advento da Reforma Sanitária Brasileira a partir da Constituição de 1988. Na tese para o concurso que me elevou a professor titular trabalhei na linha do controle da malária associado ao Programa Nacional de Controle da Malária do Ministério da Saúde onde fui assessor por vários anos.

Prof. Rafael na localidade de Guarapiranga testando uma vacina em cães para Calazar – 2014

Revista Inovação – E qual a situação da malária hoje?

Rafael – O Maranhão reduziu significativamente a transmissão da malária. No ano 2000 foram notificados mais de 70 mil casos e hoje menos de mil casos (redução de 98%) sendo a maioria importada de outros estados da Amazônia. Em função disso concentrei meus estudos, a partir de 2003, no controle da Hanseníase no município de Buriticupu. Publiquei vários artigos em estudos com a população estudantil acometida, em adultos e na população geral dando continuidade num Programa de Eliminação entendido como alcance da prevalência de 1 caso de hanseníase por 10 mil habitantes. 

Revista Inovação – E após a malária, qual foi o seu foco?

Rafael – Continuei na Epidemiologia Clínica escolhendo a hanseníase. É uma doença secular, que o preconceito entortou o seu rumo causando males que perduram até hoje. Quando se descobriu o agente causador, o bacilo de Hansen, pensou-se que o problema da doença estava resolvido. Mas o bacilo é dos fatores menos grave diante da problemática social e dos fatores de sobrevivência com os quais se deparam o hanseniano. Até tentaram mudar o nome de lepra para hanseníase. Descobriram-se medicamentos eficazes; apontou-se os sintomas cardinais que fecham um quadro de hanseníase; atribuiu-se como elemento básico a clínica apresentada pelo paciente como a chave soberana para afirmar-se o diagnóstico. Mesmo assim, a doença em época que se propõe a sua eliminação não deixou para trás condutas ainda discriminatórias que ajudam a mantê-la como problema de saúde pública, sendo o Brasil um deles e o Maranhão um estado de endemicidade alta.  

 Revista InovaçãoApós tantos anos de pesquisa, de que forma o Maranhão se beneficiou com o seu trabalho?

Rafael – Na Universidade, em 1969, o ensino da disciplina Doenças Infecciosas e Parasitárias era realizado mais em sala de aula e a universidade não possuía experiências em pesquisa. Logo procurei a sede da SUCAM (Superintendência das Campanhas de Saúde Pública) e expus meu desejo de trabalhar em parceria com esse órgão comandado pelo Dr. Ernani Mota. No primeiro ano, acompanhei o diagnóstico e o tratamento de centenas de pessoas pelo Maranhão e realizei estudos entomológicos para compreender a dinâmica de transmissão em nosso estado. Enraizado com a doença e desejoso de contribuir no seu controle, fui estudar a história natural da doença num ambiente nunca dantes povoado. Fui para a Pré-Amazônia Maranhense entre os municípios de Santa Luzia e Acailândia onde estava se implantando um projeto de Colonização Agrícola e para onde iriam ser fixados milhares de família. Lá desenvolvi a minha tese de mestrado “Malária Estudo Clínico e Epidemiológica na Recente Colonização Agrícola de Buriticupu, Estado do Maranhão Brasil” apresentada à UFRJ em 1975. Afirmam que foi graças a esse trabalho que a Colonização se efetivou pois a doença teve seus elos de transmissão controlados e, com o decorrer dos anos, eliminados.

Revista Inovação –  Qual o maior legado de tantos anos de trabalho?

Rafael – Os muitos anos de trabalho em parceria com a SUCAM lograram êxitos que chegaram aos nossos dias. Após concluir o mestrado e retornar às minhas atividades de docente e de profissional da medicina, logo desejei estudar a malária e sua persistência na Ilha de São Luís. Esse estudo propunha introduzir a participação da comunidade no controle da endemia. Para dar sentido à proposta fui cursar o doutorado na UFRJ e escolhi como tema a malária. A minha tese intitulada “Malária na ilha de São Luís: determinantes de sua persistência e controle”  foi apresentada como contribuição àqueles que se deslocavam para realizar doutorado em outros estados. Então, o legado foi ter contribuído, com o exemplo, que mais professores da área da saúde fossem se categorizar para a pós graduação a nível de mestrado e doutorado; incentivar a pesquisa de campo, ou seja, nos lugares onde os acontecimentos ocorriam; trabalhar com outras instituições parceiras; publicar trabalhos relacionados ao tema. 

“A Fundação soube se sair
vitoriosa pensando grande
e trabalhando para ser
reconhecida”

 

Revista Inovação – Mas qual seria o maior destaque?

Rafael -Sinto orgulho quando parceiros dizem que fui um dos grandes colaboradores para o controle da malária

no Maranhão e sua diminuição no Brasil, situação que me elevou a assessorar o Ministério da Saúde no Programa Nacional de Controle da Malária. Hoje, quando retorno a Buriticupu, local onde a malária está controlada e comprovo que o Maranhão é o estado brasileiro que melhor cuidou do programa de controle, sinto que este é, para mim, um título gracioso que me dou por ter contribuído local e nacionalmente. Para qualificar profissionais em ensino e pesquisa fundei o Curso de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente da UFMA.

Revista Inovação –  O que mais marcou você nesses anos como pesquisador?

Rafael – O que mais me marcou na convivência com pesquisadores diversos foi que a busca da verdade é a estrada que deve percorrer o professor no exercício da pesquisa. A busca do desconhecido para se conhecer só tem validade se esse conhecer estiver ou ficar à disposição do ser humano para promover o seu bom viver. Uma pesquisa voltada a conhecer os hábitos de um vetor que transmite uma doença pela picada, como no caso das protozooses (malária), das viroses (dengue e outras), pode ser menos complexa que uma pesquisa em astronomia. No entanto, o que as une é a busca do que é verdadeiro e conduz ao bem da humanidade. A minha relação com pesquisadores sempre se pautou pelo amor à verdade.  Primeiramente na URFRJ com os pesquisadores José Coura e Paulo de Almeida Lopes que me orientaram nas teses que coroaram a minha docência. Com Samuel Pessoa, Leônidas Deane e Aluizio Prata – notáveis pesquisadores das doenças endêmicas no Brasil durante minha pós-graduação; com pesquisadores da SBPC, entidade em que fui conselheiro e conselheiro de honra, e com Pedro Tauil e Carlos Tosta, na Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 

Revista Inovação  Qual a sua avaliação da atuação da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação (FAPEMA) em prol da pesquisa?

Rafael – A pujante Fapema, renascida e dignificada, cumpre hoje o papel original proposto. Nos idos da sua fundação, o Maranhão desenvolvia pesquisas ainda incipientes e nossos professores tinham grandes dificuldades em se categorizar para a pós-graduação fora do estado. Ainda mais éramos universidades assentadas no nordeste brasileiro que padecia de uma rigorosa rigidez social e econômica. Portanto, a criação da Fapema foi uma boa ideia surgida primordialmente no seio da UFMA e a da UEMA.  Como modelo, os idealizadores (com destaque aos professores doutores, como professora Célia Pires com doutoramento na Unicamp), tomaram a paulista Fapesp. Pode-se afirmar que a Fapema nasceu com o olho no futuro e o pensamento de expandir a pós-graduação e a pesquisa. Todos nós que participamos da fundação da Fapema vivemos os primeiros momentos com certa dificuldade, mas a Fundação soube se sair vitoriosa pensando grande e trabalhando para ser reconhecida. Rendo homenagem póstuma ao primeiro presidente, João Fernando Ata de Oliveira Pantoja, professor da UFMA, pessoa de boa origem intelectual, egresso do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, PhD pelo Imperial College, por seu esforço em construir, com olhos no futuro, uma progressista instituição de amparo à pesquisa denominada FAPEMA.

Professor Rafael em trabalho de campo avaliando o tratamento da malária em moradores de Buriticupu, 1978.
Equipe da UFMA com professores e alunos de escolas de Buriticupu durante a pesquisa para controle de Hanseníase – 2003

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