Estudo revela que peixes podem atuar como hospedeiros na cadeia de transmissão da doença

Izabela Alves Paiva
Doutoranda em Ciência Animal na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde cursou mestrado em Ecologia e Conservação da Biodiversidade e graduação em Engenharia de Pesca. Especialista em Ciência e Tecnologia de Alimentos pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) e pós-graduanda em Engenharia de Segurança do Trabalho (Faculdade Educaminas).
É pesquisadora no Laboratório de Inspeção, Microbiologia e Sanidade de Organismos Aquáticos e possui experiência em limnologia, microbiologia e diagnóstico de doenças infecciosas.
Uma pesquisa conduzida por Izabela Alves Paiva na comunidade Quilombola de Ponta Bonita, em Anajatuba (MA), revelou a circulação de sorovariedades da bactéria Leptospira sp. em duas espécies de peixes neotropicais. O estudo teve como objetivo diagnosticar a presença da leptospirose e compreender os fatores ambientais que podem influenciar sua disseminação na região.
A leptospirose é uma doença infecciosa febril aguda que é transmitida a partir da exposição direta ou indireta à urina de animais (principalmente ratos) infectados pela bactéria Leptospira
As sorovariedades são grupos identificados por possuírem reatividade a anticorpos semelhantes. Essa classificação em sorogrupos e sorovares ajuda a entender a proteção conferida pelas vacinas, pois diferentes vacinas podem proteger contra diferentes sorovares.
O estudo
A pesquisadora analisou 42 peixes adultos, sendo 21 da espécie Hoplerythrinus unitaeniatus (jeju) e 21 de Cichlasoma bimaculatum (acara preto). As amostras foram coletadas em lagoas marginais da comunidade, ambiente característico da Baixada Maranhense, que sofre influência do regime de cheias e secas.
Durante o estudo, também foram aferidos os parâmetros físico-químicos da água, incluindo temperatura, pH e salinidade, utilizando um instrumento multiparâmetro. “A análise da qualidade da água é essencial para entender como o ambiente influencia a circulação da Leptospira sp. nos peixes”, explica Isabela Alves Paiva.
Os peixes capturados foram transportados vivos para o Laboratório de Parasitologia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde foram submetidos a coletas de sangue para análises sorológicas.
Diagnóstico e Identificação
Para a detecção de anticorpos contra Leptospira sp., os soros sanguíneos foram submetidos à técnica de Soroaglutinação Microscópica (SAM). As amostras foram testadas contra 25 sorovariedades do complexo Leptospira sp., mantidas no banco de dados da Universidade de São Paulo (USP).
A análise revelou a presença de aglutininas anti-Leptospira em alguns exemplares, indicando que esses organismos aquáticos podem atuar como hospedeiros na cadeia epidemiológica da leptospirose. “Os resultados apontam que os peixes podem ter um papel ainda não totalmente compreendido na epidemiologia da doença”, destaca Paiva.
Dentre os sorovares identificados, destacam-se Australis, Bratislava, Autumnalis, Canicola, Copenhageni e Tarassovi, conhecidos por sua importância na transmissão da doença em animais e humanos.
Implicações na saúde e meio ambiente
A leptospirose é uma zoonose de grande impacto na saúde pública, especialmente em regiões tropicais com alta umidade e presença de corpos hídricos contaminados. A detecção de Leptospira sp. em peixes na comunidade de Ponta Bonita levanta questionamentos sobre a disseminação da doença em ecossistemas aquáticos e a possível transmissão para outros animais, incluindo humanos.
“É fundamental aprofundar os estudos sobre a transmissão da leptospirose na fauna aquática, pois isso pode trazer novas perspectivas para o controle da doença”, alerta Isabela Paiva.
Os resultados reforçam a necessidade de medidas preventivas, como monitoramento sanitário da água, controle de hospedeiros intermediários e campanhas de conscientização para as populações locais. Novos estudos são essenciais para compreender melhor a dinâmica de transmissão da leptospirose na região e seus impactos para a biodiversidade aquática e para a saúde das comunidades quilombolas.