Revista Inovação FAPEMA

LEGADO DE MARIA FIRMINA DOS REIS TEM REFLEXO NAS PRODUÇÕES AFRO FEMININAS

A escritora negra e maranhense se destacou como uma das primeiras vozes a questionar as estruturas sociais de sua época

A pesquisa destaca o pioneirismo de Firmina dos Reis acerca das discussões sobre racismo estrutural e desigualdade de gênero

Yoná de Oliveira

Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), onde se licenciou em Letras – Língua Portuguesa, Língua Inglesa e suas respectivas Literaturas.

A literatura brasileira do século XIX refletia em grande parte a influência europeia, por conta da histórica ligação do Brasil com Portugal. Contudo, a independência do país em 1822 fez surgir a necessidade de uma literatura genuinamente nacional, que representasse a identidade do povo brasileiro. Nesse contexto, Maria Firmina dos Reis destacou-se como uma das primeiras vozes a questionar as estruturas sociais de sua época, especialmente no tocante à escravidão e ao papel da mulher na sociedade. 

Esse cenário e seus reflexos no fazer literário são pontos analisados no estudo ‘A escritura afro-feminina maranhense: Maria Firmina dos Reis e sua contribuição para a literatura brasileira’, da pesquisadora da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), Yoná Milhomem de Oliveira. Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), a pesquisadora desenvolveu estudo aprofundado sobre a contribuição da maranhense e primeira escritora negra do Brasil. A pesquisa foi orientada pela professora da Uemasul, Edna Sousa Cruz.

Maria Firmina dos Reis publicou, em 1859, o romance Úrsula, obra considerada primeiro romance abolicionista do Brasil. Diferente de outras obras da época, que frequentemente retratavam personagens negros de maneira estereotipada, Firmina concedeu a eles voz e dignidade, apresentando-os como sujeitos de sua própria história. Seu romance criticava o sistema escravista e a hipocrisia cristã que o sustentava, ao mesmo tempo em que discutia a opressão da mulher e a estrutura patriarcal vigente.

“Esta pesquisa trouxe à luz a compreensão dos impactos da escritura afro-feminina maranhense, a partir das produções de Maria Firmina dos Reis. Um legado de grande relevância na construção de uma narrativa literária que rompeu com padrões hegemônicos da época”, avalia Yoná Milhomem.

O suporte da FAPEMA proporcionou as condições para desenvolvimento da pesquisa, possibilitando que o estudo fosse realizado. “O incentivo a pesquisas sobre autores como Maria Firmina dos Reis nos permite a ampliação do debate sobre a história da literatura brasileira e o reconhecimento devido das vozes que foram, por muito tempo, marginalizadas”, avalia Yoná Milhomem.

Impacto ideológico e social

A pesquisa de Yoná Milhomem de Oliveira foi orientada pela professora Edna Cruz da UemaSul e conquistou o Prêmio Fapema 2024

A pesquisa foi além da análise literária da obra de Firmina do Reis e se debruçou sobre questões de gênero e raça envolvidas em sua produção. A metodologia utilizada fez uso de estudos teóricos sobre literatura afro-brasileira, leitura crítica do romance Úrsula e análise da recepção crítica da autora, ao longo do tempo. Uma das principais descobertas apontadas por Yoná Milhomem foi a constatação de que Firmina dos Reis foi, por décadas, silenciada pela crítica literária. “Provavelmente, em razão de seu gênero e ascendência negra”, observa.

Ao analisar essa e outras produções da escritora maranhense, a pesquisadora chama atenção sobre como a autora antecipou discussões, que ainda são atuais, a exemplo do racismo estrutural, desigualdade de gênero e resistência cultural. “Seu trabalho foi uma bandeira para denunciar injustiças de seu tempo e abriu caminho para que escritores negros, principalmente as mulheres, pudessem afirmar-se no cenário da literatura brasileira”, destaca.

Paralelamente, a pesquisa demonstra a necessidade do resgate e da valorização da obra de Maria Firmina dos Reis, reconhecendo-a como pioneira da literatura feminina e afro-feminina no Brasil. Yoná Milhomem acredita que, ao dar visibilidade a essa escritura, a pesquisa contribui para um entendimento mais amplo e diverso da literatura nacional.

Rompendo barreiras

Com o romance Úrsula, que data de 1859, Maria Firmina dos Reis rompe com a visão dominante da época e abre espaço a um discurso antiescravagista. Inclusive, essa obra é considerada pela crítica o primeiro romance antiescravagista do Brasil e se insere no movimento romântico oitocentista, mas sem se limitar a seguir modelos preestabelecidos do gênero. A obra se diferencia dos romances da época por seu forte discurso emancipador, em que ao negro é concedido espaço de fala na condição de sujeito e passa a narrar suas experiências. 

Paralelamente, Firmina dos Reis abarca, em sua obra, as particularidades da vivência do povo negro. Sua produção literária reconheceu o papel do negro e da mulher na construção do Maranhão e do Brasil, ao mesmo tempo em que denunciou mazelas sociais que lhes cercavam. Ela oferece aos seus leitores um ponto de vista alternativo à desumanização , amplamente propagada à época.

Corajosa, ela se posicionou contra a suposta superioridade moral e racial branca, que se firmava em oposição a uma falsa degradação de caráter, sempre associada ao negro. “A escritora maranhense construiu seus personagens caracterizando-os como seres humanos nobres e, por meio deles, rememorou uma África bela e abençoada, que havia se perdido na escravidão forçada. Portanto, ela foi uma mulher à frente de seu tempo e com sua literatura enfrentou as amarras do preconceito, contra o negro e contra a mulher”, conclui Yoná Milhomem.

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