Revista Inovação FAPEMA

Educar para encantar e empoderar

Pesquisadora conquista Prêmio FAPEMA com estudo sobre a inclusão da literatura afro-brasileira nos currículos

É fundamental repensar o currículo literário em uma perspectiva antirracista, com a inclusão de obras afrocentradas

Thais Fernanda Medeiros Dias

Mestre em Letras pela Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (UEMASUL). Especialista em Metodologia do ensino de língua portuguesa (Faculdade Kurios). Graduada em Letras/Literatura (UEMA).

É professora da rede pública de ensino de Governador Edson Lobão.

Experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa e suas literaturas.

Desde a escolha dos temas que compõem o currículo escolar até a forma pela qual esses temas serão abordados, tudo é influenciado pelos valores vigentes em determinada época. À medida que a  sociedade avança no combate à opressão e na busca da equidade, é essencial que a educação se atualize para não reproduzir preconceitos do passado.

Nesse sentido, é fundamental repensar o currículo literário em uma perspectiva antirracista, com a inclusão de obras afrocentradas. Afinal, apesar de rica, a literatura clássica brasileira é atravessada por 388 anos de escravidão, o que resulta na invisibilização e embranquecimento de autoras e autores negros e na propagação dos valores racistas de cada época. Monteiro Lobato, por exemplo, é um ícone da literatura infantil brasileira, mas sua posição no currículo escolar vem sendo questionada, uma vez que sua bibliografia, de acordo com pesquisadores da área, é repleta de trechos que ridicularizam e inferiorizam o negro em favor de uma visão eurocêntrica do mundo.

E foi buscando contribuir com a formulação de uma educação que promova a igualdade racial que Thaís Fernanda Medeiros Dias desenvolveu a pesquisa de mestrado que lhe rendeu o prêmio FAPEMA 2023. Ela analisou a obra Omo-oba, de autoria da pedagoga Kiusam de Oliveira, doutora em educação e mestre em psicologia. O livro consiste em uma série de contos protagonizados por príncipes e princesas africanos e integra o que a autora denomina de “literatura negro-brasileira do encantamento”. A vertente literária é composta por obras de autoras e autores negros com consciência racial e que inspira as crianças a se “encantarem” com seus corpos e identidades raciais mesmo inseridas em um contexto racista.

Em sua dissertação de mestrado, Thaís buscou analisar como a inclusão desse tipo de material no currículo pode impactar positivamente a formação de meninos e meninas. “O movimento literário afro-brasileiro tem produzido conteúdos infantis que buscam suscitar o encantamento e enaltecimento da cultura negra, configurando-se como um instrumento de protagonismo e representação para as gerações atual e futura”, explica a pesquisadora

O estudo consistiu em uma análise literária dos seis contos que constituem o livro, que abriu discussões acerca de empoderamento, ancestralidade, identidade e representatividade negra. Além disso, Thaís elaborou uma sequência didática literária para auxiliar educadores a introduzir a literatura afrobrasileira no dia a dia do público infanto-juvenil. O valor da dissertação está em fornecer conhecimento atualizado que sirva de base para mais estudos que contribuam para um referencial teórico robusto. Isso possibilita o desenvolvimento de estratégias pedagógicas eficazes que formem crianças negras empoderadas e conscientes de seus direitos, além de crianças brancas antirracistas.

A lei 10.639/2003 determinou a obrigatoriedade do ensino da cultura africana e a pesquisadora ressalta a importância desse aparato legal como garantia de legitimidade da pauta se mudanças. “Com a obrigatoriedade, a comunidade escolar tem a oportunidade de conhecer as epistemologias étnico-raciais e conviver com elas dentro da escola, com um olhar voltado a construir novos saberes e desconstruir aprendizagens que geram preconceito, intolerância e discriminação”, explica Thaís.

Outra noção reforçada através do estudo é a do potencial da escola como parceira na luta antirracista. “Nos casos de preconceitos, a escola pode funcionar como mediadora das relações sociais, pois, ao dialogar sobre as diferentes culturas da diversidade social, a escola demonstra ao estudante as diversas perspectivas de conhecimento”, explica Thaís. “O discurso antirracista na escola não pode se limitar a um discurso oportunista, que só aparece em datas alusivas à libertação de escravos. A luta por uma educação antirracista é estética, epistemológica, multicultural e ideológica”, complementa.

O reconhecimento através do Prêmio FAPEMA mostra a importância social de construir referencial teórico sobre o tema, para balizar novos estudos, bem como políticas públicas. Mais do que isso, o reconhecimento é uma importante valorização do trabalho de pesquisadores dedicados a uma práxis científica que possui, em sua motivação, o desejo de promover um mundo cada vez mais justo e menos desigual.

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