Revista Inovação FAPEMA

DIÁRIOS DE JOSUÉ MONTELLO REVELAM COMPLEXIDADE DO ESCRITOR MARANHENSE

A pesquisa reavalia o gênero diarístico, abrindo novos caminhos para a literatura brasileira

Os diários de Josué Montello se revelam como peças fundamentais para a compreensão do autor e sua produção literária

Saulo Lima Fernandes

Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde também se graduou em Ciências Sociais. É graduado, ainda, em Direito pela Universidade Ceuma e licenciado em História, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É Membro da Sociedade de Cultura Latina/MA, da Academia Interamericana de Escritores e da Academia Internacional de Literatura Brasileira.

A obra literária de Josué de Sousa Montello, um dos maiores romancistas brasileiros, sempre foi considerada vasta e multifacetada. Essa rica diversidade é base de pesquisa acadêmica que propõe uma leitura inovadora e profunda de sua produção, tendo o diário como chave de interpretação. A pesquisa ‘Por uma autobiografia intelectual: A trajetória do fazer literário nos diários de Josué Montello’, que conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), pretende desvendar camadas ainda não exploradas na produção do escritor, ao abordar, de forma inédita, seus diários. 

A pesquisa, conduzida pelo professor mestre em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Saulo Barreto, propõe uma releitura de seis diários de Montello, que abrange o período entre 1952 e 1995. Para Barreto, esses escritos são importantes registros de seu cotidiano e um elo para entender o processo criativo do escritor e/m suas obras mais destacadas . “O diário de Josué Montello é, na verdade, uma forma de autobiografia intelectual. Ele usava essa prática para refletir sobre suas próprias obras e criar uma espécie de mapa da sua produção literária. Ao analisá-los, conseguimos entender o autor como um todo, para além de suas obras finais”, avalia Saulo Barreto. 

O estudo se insere no âmbito da chamada crítica genética, um campo acadêmico que busca investigar a gênese das obras literárias. De acordo com o pesquisador, a avaliação dos diários de Montello revela a complexidade do autor e como seus pensamentos, dilemas criativos, influências literárias e crises pessoais se refletiam diretamente em seus romances. Montello foi um escritor de uma disciplina impressionante, que escreveu de forma obstinada, mas se dedicou rigorosamente a cada parte do seu processo criativo, observa o pesquisador. “Os diários permitem que a gente entre nesse universo e veja de perto as suas escolhas, desde o momento da inspiração até a chegada ao livro pronto”, explica.

Diário como gênero literário 

Pioneira no Maranhão, a pesquisa abre novos caminhos para o estudo da literatura brasileira, além de apresentar uma reavaliação do gênero diarístico, muitas vezes subestimado pela academia. Por muito tempo, o diário foi visto como uma forma literária menor, apenas um espaço para lamentações ou reflexões triviais. Porém, a obra de Montello mostra que esse gênero tem muito mais a oferecer, revelando o próprio processo de construção do autor e os meandros do seu processo criativo, complementa SauloBarreto. O estudo foi orientado pelo pós-doutor em Literatura e professor da UEMA, Douglas Rodrigues de Sousa. 

Influenciada por teóricos como Blanchot, Lejeune e Klinger, o pesquisador apresenta os escritos de Montello como uma forma literária sofisticada, distantes dos estereótipos comuns. “A partir da análise desses textos, conseguimos perceber que Montello usava o diário como uma ferramenta para refletir sobre sua produção literária e sua vida intelectual. Ele não apenas registrava suas experiências, mas as transformava em um processo de autoanálise e reflexão, essencial para o desenvolvimento de suas obras”, explica Saulo Barreto. O estudo sugere que os diários de Montello podem ser considerados uma obra à parte, com um valor literário imenso, e que o gênero diarístico, ao contrário do que se pensava, tem potencial para enriquecer a literatura brasileira. 

Futuro do estudo e desafios 

Embora o estudo já tenha gerado descobertas relevantes, ainda há vasto conteúdo a ser explorado, no campo dos diários de Montello, observa o pesquisador. Ao reconhecer a importância do diário como um gênero literário complexo, a pesquisa propõe uma reavaliação do papel dos diários na literatura, oferecendo novas perspectivas para a crítica literária e para o estudo da criação artística. 

A obra do romancista maranhense se revela como um território vasto, repleto de possibilidades de análise e interpretações. “Estamos apenas no começo. O campo é rico e o estudo do diário de escritores, como forma literária, ainda é incipiente. Há muito mais a ser desvendado nos diários de Montello e o trabalho de investigação sobre ele certamente abrirá portas para o estudo de outros autores que também utilizaram os diários como forma de criar e refletir”, afirma. 

A partir dos resultados iniciais, o projeto tem potencial de gerar interesse no meio acadêmico e novos estudos estão sendo planejados para expandir as pesquisas sobre outros aspectos da obra de Josué Montello. “A obra de Josué Montello, sempre considerada uma das mais importantes da literatura brasileira, pode ser vista sob uma nova luz, mais rica e mais complexa, à medida que seus diários se revelam como peças fundamentais para a compreensão do autor e sua produção literária. Nosso intuito é ampliar essa abordagem de pesquisa para outros autores maranhenses, estabelecendo um modelo para o estudo de escritores locais e suas práticas diarísticas”, conclui Barreto. 

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