Revista Inovação FAPEMA

Deslocamento compulsório de comunidades impacta na dignidade humana

“O ser humano não deve ser usado para a realização de fins alheios”, diz pesquisador

As populações deslocadas são excluídas do chamado desenvolvimento e de sua condição de sujeitos de direitos

Klayver Santos Soares

Bacharel em Direito pela Universidade CEUMA – Campus Renascença (Jan/2017 – Dez/2021), onde foi bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Advogado, é membro da Comissão da Jovem Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Maranhão), desde maio deste ano.

Noventa e cinco famílias foram remanejadas compulsoriamente, em 2009, da comunidade rural Vila Madureira, às margens da BR-135, na área Itaqui-Bacanga, em São Luís, para o reassentamento Vila Nova Canaã, no município de Paço do Lumiar. O fato ocorreu em decorrência da instalação da Usina Termelétrica do Porto do Itaqui, implicando, assim, em perda, pela comunidade, do espaço concreto de moradia, referências culturais, simbólicas, econômicas e sociais.

Tal cenário vem sendo objeto de estudo do professor da Universidade Federal do Maranhão, Delmo Mattos da Silva, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) – Edital Universal 02/2020. A investigação tem o objetivo de evidenciar as vulnerabilidades socioambientais decorrentes de injustiças institucionais pelo deslocamento compulsório de comunidades em função da implantação de grandes empreendimentos.

Nesse âmbito, o professor Delmo orientou a pesquisa de iniciação científica de Klayver Santos Soares, em sua graduação em Direito no Uniceuma. Com o título “Justiça ambiental e o alcance mínimo existencial constitucional: a dimensão social da dignidade humana”, a pesquisa foi desenvolvida entre 2020 e 2021, também com apoio da FAPEMA.

“O objetivo foi examinar os termos do mínimo existencial ecológico, na ordem constitucional, por meio da exegese sistêmica dos artigos 1º, III e 225, que tratam do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, explicou Klayver.

De acordo com o pesquisador, o maior benefício da investigação foi constatar que a expansão de empreendimentos impacta na continuidade do modo de vida de inúmeros povoados rurais. Em sua análise, a forma de produção e de apropriação simbólica e material do território de comunidades de pescadores e agricultores é muito diferente da  lógica de produção de mercadorias. “Essas comunidades atuam, em grande medida, com a característica da economia de subsistência e uso da mão-de-obra familiar na produção, ao contrário do  contexto representado por grandes empresas capitalistas”, avaliou. 

Além disso, a pesquisa apontou que o estabelecimento da usina termelétrica gerou impactos sobre o quadro natural e, particularmente, sobre a população de duas áreas, limitando o acesso aos seus assentamentos e dificultando atividades tradicionais de agricultura e pesca. “O caso em questão demonstra, inexoravelmente, a prática de racismo ambiental”, afirmou Klayver. ”Ainda que a transferência de localização da Vila Madureira tenha sido pactuada entre os moradores e os representantes do empreendimento, fica evidente o reduzido impacto do fator socioeconômico na tomada de decisão, resultando na privação de serviços públicos e sociais aos deslocados”, prosseguiu.

Para o pesquisador, os conflitos socioambientais evidenciados na região apontam uma prática de ocupação do solo e do uso do espaço pelos administradores públicos e agentes de desenvolvimento baseada na desqualificação dos modos de vida das comunidades tradicionais. “As populações deslocadas são excluídas do chamado desenvolvimento, bem como de sua condição de sujeitos de direitos, assumindo a maior parte do ônus de uma política de desenvolvimento seletiva e excludente”, afirmou Klayver.

“Isso nos leva a reconhecer os múltiplos projetos de sociedade que acionam distintas matrizes de produção material e simbólica”, ponderou. “As reais assimetrias de poder impressas nas dinâmicas sociais e políticas contribuem para construção de alternativas atentas aos princípios de sustentabilidade e de justiça ambiental”, sintetizou.

“A dignidade é expressão da autonomia da pessoa humana – adquirindo, nesse sentido, íntima ligação com o princípio de liberdade e da moralidade de Kant, na medida em que o ser humano não deve jamais ser tratado como mero objeto ou instrumento para a realização de fins alheios, devendo ser considerado como um fim em si mesmo”, concluiu.

O estudo pesquisou as famílias remanejadas, em 2009, da Vila Madureira para o reassentamento Vila Nova Canaã

Metodologia 

A metodologia utilizada foi a pesquisa descritivo analítica, com uso da abordagem quanti-qualitativa e os  instrumentos  de  coleta   de   dados  foram a entrevista, observação participante e questionários.

O projeto teve que ser redefinido e remodelado, devido  à pandemia da Covid-19, dificultando aproximações e novos laços de pesquisa acadêmica.

De acordo com o pesquisador, o projeto pode se desdobrar em outros subprojetos. “É um tema inesgotável e merece toda a atenção da academia e de nós, futuros pesquisadores no Maranhão”, sintetizou.

“A atuação do meu orientador, o professor Delmo Mattos, foi o principal alicerce da minha construção social como pesquisador, pois contribuiu inexoravelmente para minha formação acadêmica e para o desenrolar dos trabalhos”, avaliou. “Ele sempre esteve à disposição para inesgotáveis orientações e aprimoramentos da pesquisa e se tornou motivo de admiração acadêmica e espelho para um futuro como pesquisador”, concluiu.

Um comentário

  1. Leilane Martins Menezes Farias

    Ah… que pesquisa boa, infelizmente não somos muito informados sobre essas situações de dificuldade e deslocamentos tão prejudiciais do nosso povo ludovicense. Ainda que estejamos cercados de meios de comunicação, encontrar um verídico e confiável tá bem difícil.

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