Revista Inovação FAPEMA

CONTAMINAÇÃO DO AMENDOIM É RISCO À SAÚDE PÚBLICA

Pesquisa aponta que o grão é afetado em todo processo de produção

As descobertas do estudo apontam para a necessidade de maior vigilância sanitária

Rosália Martins

Mestre em Saúde e Ambiente (Universidade Federal do Maranhão), especialista em Nutrição Clínica Funcional e Fitoterápica (Instituto Ana Paula Pujol-IAPP) e em Nefrologia Multidisciplinar (UFMA-UNASUS).  Graduada em Nutrição (Estácio São Luís). Atua no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário.

Uma pesquisa acende o alerta sobre a contaminação do amendoim por fungos e micotoxinas. Intitulado ‘Identificação e quantificação de fungos e aflatoxinas em amendoim (Arachis hypogaea L)’, o estudo conduzido pela mestre em Saúde e Ambiente (UFMA), Rosália de Fátima Ferreira Martins, contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) e avaliou três categorias desse grão comercializados em São Luís:  in natura vendidos a granel, industrializados e torrados.

Segundo a pesquisa, mesmo com as boas práticas agrícolas e seguimento de padrões regulatórios, o amendoim segue vulnerável a fungos potencialmente tóxicos. Isso é motivado pelas características ambientais, que favorecem o processo, tais como o clima (úmido e quente), os tipos de comércios informais e a venda dos produtos à granel e a forma de armazenamento, o que constitui ambientes ideais para o desenvolvimento de fungos e micotoxinas. 

A inspeção e monitoramento de bolores e leveduras faz parte de uma série de medidas para minimizar os riscos destes contaminantes em alimentos. Para isso, as normas sanitárias dispõe sobre os padrões microbiológicos dos alimentos e suas aplicações. Além disso, é necessária a rigorosa atenção sobre as técnicas utilizadas e os meios de cultura ideais para cada produto. 

Foi preciso importar alguns desses insumos para que tivéssemos uma qualidade ideal das análises. Os resultados revelaram que, em percentuais, as amostras à granel estão mais vulneráveis às contaminações por bolores sendo classificadas como insatisfatórias com qualidade inaceitável”, observa a pesquisadora Rosália Martins.

Os fungos são utilizados comercialmente e são muito valiosos para as indústrias, farmácia alimentícia e biotecnologia. No entanto, são espécies capazes de produzir micotoxinas, metabólitos secundários, envolvidos numa série de síndromes e doenças crônicas em seres humanos e animais. As aflatoxinas estão entre as mais estudadas e mais perigosas presentes no alimento e são produzidas principalmente por Aspergillus flavus e o A. parasiticus, que contaminam alimentos e rações. De acordo com a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, elas são potencialmente carcinogênicas ao homem, sendo mais afetado o fígado no corpo humano. No Brasil, o Ministério da Saúde estabelece limites máximos toleráveis da presença de 20 mcg/kg de aflatoxinas em amendoim para oferta ao consumidor.

A média de umidade geral das amostras investigadas na pesquisa foi de 5,57%, que está no padrão aceitável, para inibir o crescimento de fungos do gênero Aspergillus.  Apenas uma amostra estava com 8% de umidade, nível considerado satisfatório para o controle de umidade do grão.

“O índice de 8%, na verdade, é um percentual ideal para que o grão consiga um equilíbrio higroscópico [propriedade de absorver água]. Isso ocorre quando o teor de água no produto é igual a pressão de vapor do ar que o envolve.  Na indústria esta técnica já é aplicada para que perdas no transporte sejam minimizadas ao máximo. Falhas no armazenamento podem gerar perdas na qualidade nutricional do alimento, bem como a deterioração dos grãos, gerando perda comercial”, exemplifica a pesquisadora.

As análises da pesquisa revelaram grande variedade de espécies fúngicas, mas, embora o A. flavus estivesse amplamente presente na maioria das amostras, apenas duas apresentaram níveis de aflatoxinas totais acima dos limites permitidos. O índice de 82,3 em uma amostra a granel e 62,4 em uma amostra torrada desperta o alerta de que mesmo torrado, a presença da aflatoxina não está descartada. O ideal, segundo a pesquisadora, seria a ausência das micotoxinas, no entanto, na atualidade, eles parecem bem controlados em relação a aflatoxinas. Em pesquisa realizada pela mesma pesquisadora em 2014, os níveis de aflatoxinas encontrados passaram de 3.000 mcg/kg de amendoim, 

“Mesmo com os altos índices de contaminação fúngica, principalmente por Aspergillus flavus, os níveis de aflatoxinas detectáveis acima dos limites preconizados na resolução da Anvisa, foram em apenas duas das 24 amostras. No entanto, não se descarta a possibilidade de outras micotoxinas”, explica Rosália Martins.

Avanço tecnológico no diagnóstico

Um dos maiores desafios para os laboratórios de análises clínicas, sem dúvida alguma, é a identificação de espécies fúngicas e um dos diferenciais do trabalho foi o uso de espectrometria de massa MALDI-TOF, tecnologia rápida e precisa, que identificou as espécies fúngicas presentes nos grãos. Foram identificadas 43 cepas fúngicas, sendo 41 do gênero Aspergillus (95,3%). Entre as espécies, o destaque foi para o Aspergillus flavus, responsável por 17 cepas (39,5%). Este tipo é conhecido por sua capacidade de produzir as aflatoxinas, substâncias tóxicas e cancerígenas.

“Foram sete espécies identificadas e somente com o uso da análise proteômica do Sistema MALDI-TOF foi possível fazer a identificação diferenciada das espécies presentes”, destaca a pesquisadora. “Microscopicamente não é possível identificar com tanta segurança, isso aponta uma ferramenta extremamente promissora para este segmento. Foi possível também identificar gêneros com grande potência de bioproduto, deixando aberta uma possibilidade muito valiosa para pesquisas com espécies ainda não exploradas”, complementa.

O estudo revelou que 82,3% das cepas de A. flavus analisadas produziram escleródios. São estruturas resistentes que possuem a capacidade de sobreviver em condições extremas ambientais e conseguem germinar com facilidade. Os escleródios, dependendo do seu tamanho, podem sugerir os tipos de cepas de toxogênicas ou não para os Aspergillus da sessão Flavi

Referente à categoria, as amostras industrializadas se mostraram mais seguras; enquanto as vendidas in natura a granel, apresentaram maior índice de contaminação por fungo e na torrada, níveis de aflatoxinas acima do limite permitido. O estudo aponta que a informalidade na venda do amendoim in natura compromete a segurança do produto, ou seja, esse tipo de comércio apresenta maior risco à saúde do consumidor.

A ingestão de alimentos contaminados por fungos pode resultar em respostas alergênicas, problemas respiratórios, infecções em diversos órgãos, principalmente, quando se trata de pacientes imunodeprimidos, aponta a pesquisadora. Quanto às aflatoxinas, o principal órgão afetado é o fígado, podendo causar insuficiência hepática aguda, náuseas, vômito e dor abdominal, em sua forma aguda. De forma crônica, pode causar carcinogenicidade, imunosupressão e teratogenese, dentre outras. 

Sobre a relevância do estudo, a pesquisadora ressalta que, mundialmente, têm sido aplicadas estratégias de controle desses agentes infecciosos, principalmente, porque as mudanças climáticas têm beneficiado o crescimento desses fungos, em países em que tinham temperatura mais baixas. Em países com temperaturas comumente altas, o aumento progressivo da temperatura pode mudar o padrão de determinadas espécies fúngica, deixando de produzir aflatoxina e passando a produzir outro tipo de micotoxina, como o ácido ciclopiazônico.

As descobertas do estudo apontam para a necessidade de maior vigilância sanitária e uso de tecnologias avançadas no controle da qualidade de produtos agrícolas no Brasil. A pesquisa também traz uma importante contribuição para os campos da saúde pública, agricultura e segurança alimentar, ao promover o alerta sobre a importância de monitorar, continuamente, os alimentos, sobretudo com o avanço das mudanças climáticas, que podem alterar o perfil dos fungos e toxinas presentes nos grãos.

“Isso significa que estratégias de monitoramento devem ser intensificadas para garantir um produto livre destas toxinas no alimento disponível no comércio”, conclui.

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